sexta-feira, maio 12, 2023

Ponte Caium (homenagem ao soldado e padeiro Jacinto Cristina)


Já tem sessenta e um,
O camarada Cristina,
Que na Ponte de Caium
Foi soldado, cumpriu a sina.

Foi soldado, cumpriu a sina,
Carregando uma espingarda,
C’a Goretti e a menina
Rezando ao anjo da guarda.

Rezando ao anjo da guarda,
P’ra que volte depressa e bem,
Honrada a Pátria e a farda,
Sem dever nada a ninguém.

Sem dever nada a ninguém,
Tomou conta do morteiro,
Bom camarada também,
E sobretudo padeiro.

E sobretudo padeiro,
Foi pau pra toda a obra,
De pescador a pedreiro,
Com muito tempo de sobra.

Com muito tempo de sobra,
Vinte e sete meses  de Guiné,
Põe-te a pau com turra e cobra,
E aguenta a ponte de pé.

E aguenta a ponte de pé,
Foi ordem do comandante,
Vejam o bravo que ele é,
Brincalhão e confiante.

Brincalhão e confinante.
Ou não fora alentejano,
Venha daí o espumante,
Que eu volto cá pr’ó ano.

Que eu volto cá pr’ó ano,
Com mais notícias de Piche,
E com saudades do catano
Dessa malta toda fixe.

Dessa malta toda fixe,
Do Sobral ao Torrão,
Mais o Carlos de Peniche,
E o resto do pelotão.

E o resto do pelotão,
Que lhe diz emocionado
Pelo exemplo e pelo pão,
Jacinto, muito obrigado!

Nada disto é fado


Nada disto é fado


Nada disto é fado, é apenas história (de)vida,
Ruas do ouro e da prata, de outrora, querida.

Colina acima, rua abaixo, no metro de Lisboa,
Ou no amarelo da Carris, é a vida,  à toa.

A vida é um assalto à caixa de Pandora, meu amor,
Beware of pickpockets,  avisa o revisor…

Alcântara, a ponte de fogo, suspensa
Sobre a tua cabeça, e a nossa raiva, tensa.

Em Almada,  a teus pés, tens o estuário do Tejo,
Mas é na solidão do Terreiro do Paço que eu mais te desejo.

Compro castanhas, quentes e boas, com ternura,
Enquanto a vida segue pelas ruas, sujas, da amargura.

Nada disto é fado, é apenas história (de)vida,
Ruas do ouro e da prata, de outrora, querida.

Lisboa, novembro de 2013

sexta-feira, novembro 08, 2013

Humor com humor se paga (1): Grande poeta é o povo



A frase banalizou-se
no tempo do Estado Novo, 
quando a recém nascida RTP tinha um concurso, 
nos idos tempos de 1967/68, 
de triste memória para mim, 
que dava justamente pelo título 
Grande Poeta é o Povo. 

Um programa, se bem me lembro, 
apresentado pelo Artur Agostinho.
Ora ainda hoje dizem 
que ele, o Zé Portuga, 
já na escola não gostava 
nem de português 
nem de matemática !!! 

Eu acho que não, 
a avaliar por este naco de poesia e de matemática, 
do melhor quilate, 
que me chegou às mãos:


Quem 60 ao teu lado
e 70 por ti,
vai certamente rezar 1/3
para arranjar 1/2 de te levar
para 1/4,
tirar e lançar delicadamente as tuas vestes  o 1/6
e dizer-te com ternura:
20 comer!!!


Se fosse um poeta da nossa praça,
consagrado, 
cota, literato, chato pra burro, com assento na História da Literatura dos Portugas,  e lugar no Panteão Nacional,
escreveria assim na soletradíssima língua de Camões:

Quem se senta [20] ao teu lado
e se tenta [70] por ti
vai certamente rezar um terço [1/3]
para arranjar um meio [1/2] de te levar
para um quarto [1/4]
tirar e lançar delicadamente as tuas vestes  para o 1/6
e dizer-te com ternura:
vim-te [20] comer!

Bem lidas e vistas as coisas,
não há povo como o portuga 
para mandar a sua rima, o seu verso,  a sua quadra 
ou até o seu soneto à parede. 

Aliás, basta ver as paredes de Lisboa & arredores,
pintadas de fresco 
a seguir a um jogo da bola 
entre os grandes.
Derby, é assim que se diz.


quarta-feira, maio 01, 2013

Oração fúnebre: Horácio Mateus (1950-2013)


Horácio,
querido amigo, 
grande lourinhanense, 
geálico nº 1… 

És o primeiro a partir,
nessa viagem solitária e sem retorno 
que todos teremos que fazer um dia. 
Só não sabemos quando nem em que lugar, 
só o velho barqueiro de Caronte 
é que tem a lista dos passageiros 
e os horários e os percursos da última viagem 
da terra dos vivos. 
Mas estamos tristes, 
infelizes, 
inconsolados, 
porque achamos que partiste cedo demais. 
Tinhas direito a realizar os teus sonhos. 
E alguns levaste-os contigo para sempre, 
sem os poderes partilhar connosco. 

Alguns desses sonhos realizaste-os
e deves ter orgulho neles; 
o grande amor da tua vida, 
a Isabel, 
os teus filhos, 
o Simão e o Octávio, 
que seguiram as tuas peugadas, 
a tua filha Marta,
o GEAL, o museu… 
Poucos são aqueles que são profetas 
na sua terra. 
Tu podes orgulhar-te de ter sido um deles. 
E um dia o Parque Jurássico 
pelo qual lutaste, 
há-de fazer jus 
ao teu nome, ao teu exemplo, à tua obra, à tua memória.

Sem a tua saudável loucura, 

tua, da Isabel, do Octávio, do Simão,
e de outros tantos geálicos, 

alguns presentes nesta hora 
em que viemos despedir-nos de ti, 
não haveria lugar a alguns dos sonhos bonitos 
que aconteceram na nossa terra, 
e que irão continuar a acontecer, 
sob a tua inspiração e proteção. 

Tu foste um exemplo de paixão pela vida, 

pela terra, 
pelos seres que o habitam ou habitaram, 
pelas artes e ofícios dos nossos antepassados, 
pelas pedras das suas casas, 
pelos muros dos seus caminhos, 
pelas árvores dos seus campos… 

Cultivaste a paixão
pela história, 
pela ciência, 
pela cultura, 
pelo património de todos nós. 

És também um exemplo de amor 

pela tua (e nossa) terra, Portugal e a Lourinhã, 
mesmo quando a tua terra 
nem sempre te compreendia, 
ou te reconhecia 
ou te amava, 
como devia, 
e como tu esperavas. 
Julgo que terá sido Fernando Pessoa a dizer 
que quando um português sonha, 
alto e bom som, 
há logo alguém que o acusa de estar 
fora de escala 
e de ser doido varrido...

Pois bem, tu tiveste o mérito
de nos desassossegar, 
desinquietar, 
e de  juntar alguns de nós, 
e pôr-nos a sonhar alto 
e a fazer coisas, 
com paixão, 
com inovação, 
com verdade, 
com rigor e credibilidade. 

E isso às vezes incomoda
os que se sentam na cadeira 
da inércia, da mediocridade, do comodismo, da inveja. 

Obrigado, Horácio,
pela tua saudável loucura, 
pela tua criatividade (muitas vezes imprevisível), 
pelo teu humor (às vezes inconveniente e corrosivo 
mas sempre inspirador), 
Obrigado pelas flores que soubeste cultivar 
no teu jardim do amor, da amizade e da convivialidade. 

Foste um homem bom,
um bom cristão 
como Cristo possivelmente gostaria 
que fosse um bom cristão, 
um ser humano que soube nesta terra 
praticar as obras de misericórdia 
que vêm no evangelho do teu homónino, 
São Mateus… 
Lembras-te ? Sete eram corporais: 
Remir os cativos e visitar os presos; 
curar os enfermos; 
cobrir os nus; 
dar de comer aos famintos; 
dar de beber a quem sede; 
dar de pousada aos pobres e aos peregrinos; 
e enterrar os mortos… 
Ou de dar um barco ao náufrago, 
como diz o livros dos mortos dos antigos egípcios… 

E as outras sete obras de misericórdia eram espirituais: 

ensinar os simples; 
dar bom conselho a quem o pede; 
castigar com caridade os que erram; 
consolar os tristes desconsolados; 
perdoar a quem nos errou; 
sofrer a injúrias com paciência; 
rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos. 

Na tua vida, tão rica e tão curta,
fizeste tudo isso, 
sem alarde,
sem pompa nem circunstância,
foste um homem misericordioso. 

Onde quer que estejas,
tens direito a estar em paz. 
Se existe o céu, será aí a tua morada. 
Nesta terra, 
que foi a tua terra da alegria, 
mas também às vezes uma das estações do inferno, 
serás sempre lembrado 
por aqueles que querem e podem honrar a tua memória. 

Quanto a nós,
vamos ter muitas saudades tuas. 
À boa maneira dos nossos antepassados romanos, 
dir-te-ei: Requiescat in pace. 

Descansa em paz, Horácio, 

Descansa finalmente em paz!

Lourinhã, Capela de Nossa Senhora dos Anjos, 30 de abril de 2013

sábado, janeiro 05, 2013

Vamos cantar as janeiras (5): Escola Nacional de Saúde Pública, 2012


As Janeiras da ENSP/UNL, 2012

Manda a nossa tradição
Que se cantem as janeiras,
Ao diretor que é o patrão,
Aos confrades e às confreiras.

Companheiras e companheiros,
Será mais apropriado,
São os que são lambareiros
E comem à mesa do Estado.

Confraria não é convento,
Nem diretor é abade,
Ele bem estica o orçamento,
E corta na eletricidade.

O nosso Robim dos Bosques
Tem que ser Zé do Telhado,
Valente, não dá de frosques,
Há-de ser condecorado.

Já cá falta quase tudo,
Nesta escola nacional,
Até o papel p’ró canudo
Do programa doutoral.

Falta a tinta p’ra impressora,
Falta a santa paciência ?
Não, diz a administradora,
Que falte tudo… menos a ciência!

Com o prémio e o pecúlio
Foge, foge, ó Aguiar!,
P’ra onde, pergunta o Júlio,
Se eu nem sequer sei surfar ?!

Com a crise a durar,
Tudo chora, minha gente,
E com o trabalho a dobrar,
Da secretária ao docente.


Com a saúde feita em cacos,
Que se lixe a educação,
Na rua é só  buracos,
Acabou-se o alcatrão.

Até os melros, de certo,
Emigraram para Angola,
Transformando em deserto
O campus da nossa Escola.

Até a pobre da Marta,
Sonha à noite com coelhos,
Dando cabo da relva, farta,
Que chegava até aos joelhos.

Mas agora o que é chique
É exportar nosso produto,
Para Angola e Moçambique,
Processado ou em bruto.

Esta escola de doutores,
Empresa de exportação,
Vai p’ra bolsa de valores,
P’ra ajudar a Nação.

Este é o estado da Nação
Que penhorou o seu Estado,
Do hospital à prisão,
Só resta o triste fado!

Saúde agora é saudinha,
Diz o rei mago Gaspar,
Medicamento é mezinha,
Sopa do pobre, jantar.


 Esta escola não é escolinha,
 Vamos lembrar o velho adágio,
Na nossa santa terrinha
Vale tudo, sim,  …menos o plágio.

Boas festas, presidente
Do conselho pedagógico,
Contra o eduquês corrente,
Temos um combate ideológico.

Boas festas, presidente
Do conselho científico,
Diga lá agora à gente
Se o lugar não é pacífico.

Boas festas, presidente
Do conselho de escola,
Afável e sorridente,
É um senhor sem cartola.

Boas festas, presidente
Do conselho de gestão,
Que em cima põe o cliente,
E em baixo… os que aqui estão.

Boas festas, professores,
No dia do fim do mundo,
Pra quê fazer mais doutores
Se isto vai tudo ao fundo?!

Boas festas,  Cê Dê I,
És o templo do saber,
O  papel diz “Já morri!,
Mas continuo a valer”.

Boas festas, pró setor
Da nossa pagadoria,
Meninas que são um amor,
E uma fonte de alegria.


Boas festas, Marieta
Mais o resto da sua secção,
Falte o papel e a caneta,
Mas nunca a motivação.

As secretárias  da escola
Ficam no fim das janeiras,
Meto no saco na viola,
Já não digo mais… asneiras.

São versos de mirra e  incenso,
Com o ouro da amizade.
O  Natal, segundo o que eu penso,
É o que fazemos… na cidade.

Luís Graça
ENSP/UNL, festa de Natal, 21/12/2012





PS - Boas Festas para toda a gente desta casa: gabinete de comunicação, gabinete de informática, gabinete(s) de projetos, serviço de publicações, Revista Portuguesa de Saúde Pública, bar, reprografia, segurança, portaria… (será que esqueci alguém?), bem como da NOVA, incluindo os nossos queridos alunos, sem os quais fecharíamos as portas…
E pró ano logo se vê, se o mundo não acabar hoje!... Estaremos cá todos/as!...



Vamos cantar as janeiras (4): Escola Nacional de Saúde Pública, 2009


Cantigas de escárnio e maldizer… natalícias

Se ele há coisa que não rima,
Nesta Escola Nacional,
É o depressivo clima
Da campanha eleitoral.

Fui a Delfos consultar
A pitonisa famosa,
Pôs-me um galo a cantar
Em pose vitoriosa.

No templo de Epidauro,
Logo perguntei, sorumbático:
- Eleito,  é cristão ou mouro ?
- Será doutor… hipocrático!

Na sinagoga, gentil,
Rabino disse que “Cá,
Não há OPA hostil,
É vontade de Jeová”.

Nem Sobrinhos nem Afilhados,
São os Grandes Eleitores,
Impolutos, sem pecados,
Os melhores decisores.

Sem sindicato de voto,
Decidindo em consciência,
Longe da algazarra do povo,
Dirão de sua ciência.

ENSP é uma marca
Tem história e tem brasão,
Mas há gente de visão parca
Que a quer pôr em leilão.

Vamos agora,  enessepês,
Que o Pai Natal faz ó-ó!,
Escolher uma boa rês
Para puxar… nosso trenó!


Quentes e boas… festas natalícias
Para todos os enessepês,
Alunos, dirigentes, docentes, não-docentes e demais colaboradores,
Que dão (ou já deram) o seu melhor
Para que cada um de nós continue em ter orgulho em dizer:
"Eu  ? … Eu trabalho (ou trabalhei)
na Escola Nacional de Saúde Pública",

Lisboa, ENSP, 17 de Dezembro de 2009
Luís Graça

terça-feira, julho 03, 2012

Blogantologia(s) II- (100): De Lisboa a Luanda, ou o puro azul do desejo


De Lisboa a Luanda: o puro azul do desejo



Estavam lindos os jacarandás
quando deixei Lisboa
e o Tejo,
ao fundo.
Eram o puro azul do desejo,
o azul mais inebriante do mundo.
Para trás,
ficava o sulco de uma canoa
e o cheiro a alfazema de Alfama.
No teu quarto, de hotel barato,
o sofá-cama desfeito
era um certo jeito de dizer adeus.
Um jeito tão português,
tão nosso,
o nosso fado,
dirás.
Não posso
falar da saudade de quem fica,
nem devo dizer do desejo de quem parte,
que o amor é ciência e é arte.
Subo aos céus,
em avião a jacto
que corta o planeta
em duas metades laranja
ao pôr do sol.
Não sei se é amor,
de jure e de facto,
ou apenas sorte
o arco-íris da tua paleta
com que pinto Lisboa de jacarandás.
Mas que pode a imaginação do poeta,
quando o coração, mais forte,
pensa que manda ?
Eram os teus lábios
que eu em vão procurava
nas folhas das acácias vermelhas
com que imaginava,
coberta,
a ilha de Luanda…

Luís Graça

Portugal, Lisboa, Parque Eduardo VII;
Angola, Luanda, Ilha de Luanda, Clínica da Sagrada Esperança, junho de 2012.

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terça-feira, maio 01, 2012

Blogantologia(s) II - (99): Poema para os dias tristes


Poema para os dias tristes
(Dedicado às mulheres que eu amo)

Às vezes não sabemos lidar
Com este mundo,
Sobretudo quando ele é claustrofóbico.
Às vezes temos de passar
A nossa temporada no inferno,
No mais fundo
Do ventre materno.
Ah! esta nossa terra,
Mãe e madrasta,
Madrinha de guerra,
Jocasta,
Que ora cuida de nós ora nos maltrata,
E a quem não conseguimos dizer Basta!

Não sabemos tirar a pedra,
A simples pedra,
Que serve de tampão ao nosso vulcão…
Todos temos um vulcão,
Nem que seja um vulcãozinho de estimação,
Um vulcão que é 70% de pura emoção,
Que é o puro delírio do poder
Ou do simples poder da imaginação!...
Antes fosse só poesia,
Implosão de alegria,
Poesia do delírio!...
Os outros 30% são
Cocktail de sangue, suor e lágrimas.

Mas é aqui que tu e eu vivemos
E respiramos,
Mesmo que mal,
E é aqui que sonhamos,
E nos enamoramos,
E aos sábados e domingos rezamos
Aos deuses que nos outros dias da semana criamos.

É aqui que eu  tiro a conclusão
Que sou livre  mas mortal.
É aqui (que eu sei) que vou  morrer,
Ponto final!
Digo que vou morrer, meu amor…
Mas o que é morrer ?
Sei lá, é o fim da espiral,
O cabo finisterra,
O colapso dos meridianos,
A cama terminal do hospital.
Sei que vou morrer
Pela simples lei das probabilidades:
Tudo o que vive, morre,
Tudo o que vai morrer, já viveu.
E eu vivo, logo morro!
Nada mais cartesiano…
Só não sei a hora, o dia, o mês e o ano!

Receio bem, querida,
Que não tenhamos alternativa,
Podemos mesmo achar
Que é injusto ou até indecente
Não haver uma 3ª via
Entre o viver e o morrer.
Pena que a vida
Seja o que é,
De sentido único,
Do berço à cova.
Pena que não seja como o serviço de buffet
Do restaurante,
Para ao menos se poder escolher
Entre o frio e o quente!
Oxalá o amor, meu amor, fosse eterno!
Ou oxalá fosse eterna a doce ilusão do amor!

Estou agora parado,
Feito pateta,
No entroncamento do planeta,
Num comboio fantasma,
Sentado no lugar do morto
Que não vejo,
E que foi vítima de um qualquer miasma.
Ah! Como eu invejo
Os otimistas profissionais,
Os arquitetos do futuro,
Os céticos,
Os agnósticos,
Os chacais,
Os místicos,
Os letrados,
Os prognósticos
(mesmo que reservados),
Os tristes,
Os bem aventurados,
Os altruístas,
Os mente…capos,
Os amigos da humanidade,
Todos aqueles,
Que vão pondo andaimes
Nos cumes do nada.

A verdade
É que às vezes não sei
Onde pôr os pontos nos ii
Nem os pontos de reticência
Na  Sua Excelência!
Ou até, pasme-se!, a pomba da paz
Na alto do quico do general,
Que é o palhaço de serviço ao circo global!
Mas isso tanto faz:
Nem sequer sei pôr,
Como manda a boa ortografia,
O simples ponto
De interrogação (ou de exclamação ?)
Na eternidade.
Ou o  simples dedo…
No cu do medo!

Lisboa, 14/2/2012

segunda-feira, março 19, 2012

Blogantologia(s) II - (98): Meu pai, meu velho, meu camarada

Para todos os pais,
Os nossos pais,
Que vivem com a dignidade possível
na solidão instuticionalizada dos terminais da morte


Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que estás achegar ao fim,
Sinto que estás a desistir,
Sinto que estás com poucas ganas de lutar
Contra o inexorável fim…

É com um aperto no coração
Que te vejo aí deitado no teu cadeirão articulado,
Do Lar da Senhora da Guia, 
Na Atalaia da Lourinhã,
Com as velhas canadianas definitivamente arrumadas a um canto…
Onde está o teu proverbial sentido de humor,
Quando brincavas com as tuas canadianas,
Dizendo que tinhas trocada uma velha por duas novas ?!…
Onde está o teu gosto pela anedota,
O verso, o improviso, o dito sempre apropriado
Para cada conversa, para cada ocasião ?

Meu pai, meu velho, meu camarada…
Sinto que está agora mais difícil, para ti,
Prosseguir a viagem…
Já não queria que fosses até ao km 100,
Da autoestrada da vida,
Queria que chegasses ao menos até ao km 92,
Devagarinho, sem dores,
No dia 18 do próximo mês de Agosto…

Se calhar estou a ser egoísta,
E a subestimar ou menosprezar os teus avisos:
“Isto tá bera, Lis Manel”
(É assim que me tratas, sempre me trataste, 
por Lis Manel).
Claro que eu vou brincando contigo,
Desafiando-te para ires ver o mar,
Não o mar azul do Mindelo,
o mar do Porto Grande e o ilhéu dos Pássaros,
Mas o das Berlengas,
Limpar a vista, tu dizes,
E tomares o café com o cheirinho,
No bar dos Cinco Paus,
Mostrando-te a amarelinha em balão:
“Tome (nunca te tratei por tu)
que no céu não há disto!”

O que te prende à vida, meu velho ?
A tua velha companheira, muda e queda,
Ainda a teu lado ?
Os teus filhos, netos e bisnetos,
Que já são tantos que dão Para fazer duas equipas de futebol ?
Já não queres ver os teus amigos
Do banco do jardim,
Do Largo da Igreja,
Já não te interessas pelos resultados do teu Benfica,
Já deixaste de escrever o teu diário,
Já não lês a Bola,
Já não ouves o relato da bola,
Já não vais à bola ao domingo, com o Mário,
Nem gritas aos jogadores do Lourinhanense:
“Quem ganha é quem corre,
Quem ganha é quem corre!”
Já não corres, meu pai,
Já correste tudo o que tinhas a correr
Pela vida fora, na labuta da vida…
Mas ainda continuas a ganhar, meu velho,
A marcar pontos, meu camarada…
Os do exemplo de bondade,
Humanidade,
Coragem,
E sabedoria…

Um bom dia do pai,
No dia do pai,
Para ti
Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada!

Alfragide, 19 de Março de 2012