segunda-feira, setembro 01, 2008

Blogantologia(s) II - (68): Gracias à la (mo)vida

A vida é la movida.
É Sagres.
É Boémia.
E choco frito.
Tudo o que a gente gosta.
Uma esplanada à beira-mar.
O sol.
A maresia.
A boa vida.
A sorna.
O fado.
A morna.
O dolce far niente.
Com a gente de quem se gosta.
Muito, pouco ou nada.
Mais a Nossa Senhora dos Milagres
Que te acode,
Quando aflito.
Enquanto a maré sobe.
E a noite espreita.
E a morte não pré-avisa.

Olha a moreia da costa,
Que é a melhor do mundo.
A vida é pregão.
A vida é merda.
A vida é Sagres, é Boémia.
A vida é hipoglissémia.
A vida é adrenalina.
A vida é prego a fundo.
A vida é stresse.

Sexta-feira à tarde,
Ao fim da tarde,
Uma hora antes do pôr do sol.
A vida é festa.
La fiesta, amigo.
Vengo de la altiva Castilla.

No TGVê espanhol
Que não paga imposto
único
de circulação.
Que o futuro não paga imposto,
Nuestro hermano.
Pressupuesto, amigo.
Que viva la siesta!
Que viva la vida!


Mas agora que vem aí a crise,
Como é que eu chego à ponta mais
acidental
Da Europa ?
Para comer o meu choco frito,
No bar da Peralta,
A las cinco de la tarde.
Com navios negreiros,
Fantasmagóricos,
Na linha do horizonte,
A quinze milhas.
Com os jacobinos do Junot
Na película da memória.
O Vimeiro aqui tão perto.
Com autos de fé,
Mouros, judeus, corsários,
No meu ADN de português
Sem história,
Maçarico, maltrapilho, errante.
No mar onde naufragam
Todas as boas consciências
E se afinam as ciências,
As ditas duras mais as ditas moles.

Um homem sorri com meia-cara
O sorriso amarelo do cinismo.
Aqui,
No cabo da terra,
Onde se proclama a ditadura do sucesso.
E do novo riquismo.
Com o isco
Da vã glória de ganhar
A medalha olímpica.
A vida eterna.
O Nobel.
Um lugar no paraíso.
O Olimpo,
Condomínio fechado dos deuses.
Que dos perdedores não reza a História.

A vida é la movida
No Peralta Bar,
Que não vem na lista do Expresso
Da Coma, Mesa & Roupa Lavada.
Haja lugar à mesa,
comprida,
e valha-nos Baco, velho compincha.
Viva o Portugal do petisco!
Viva o mês de Agosto!

Deixei os meus velhos
Institucionalizados
Nacionalizados
Alegaliados
Sedados
Securizados
Acorrentados
À árvore do Welfare State.
Na Atalaia,
A caminho do Porto das Barcas.
Ficaram aos cuidados de uma ucraniana
Que era enfermeira na sua terra,
E da santa padroeira
dos pescadores,
A Nossa Senhora da Guia.
Que há sempre uma santa para todas as aflições,
Das dores do parto
À agonia da morte.
Que às vezes, mais vale a morte
Que tal sorte.

Tenho insónias às cinco da manhã,
Mesmo sabendo que da janela
Do quarto dos meus velhos
Há uma linda vista para as Berlengas.
E que a associação é
Cultural,
Social,
Artística,
Desportiva
e Humanitária.

Minha mãe, minha avozinha,
Tens a graça até no nome,
Não é por seres mais velhinha
Que de amor passarás fome.


Passo pela loja do chinês,
Fugido de Tianamen,
E compro um prato
De Alcobaça, pintado à mão,
De contrafação.
Com quadras pimbas
Ao amor de mãe…

Brilhas como uma estrela,
No teu quarto, lá no lar,
Tens uma linda janela,
Com vista de céu e mar.


Quem disse que a vida é bela,
E que as mães é que dão cabo dela ?
Desligo o botão da televisão,
Puxo o reposteiro da janela
Donde vejo o mundo a cor de rosa,
Arrumo o cavalete
E as tintas do arco-íris.
E peço uma posta de moreia frita
E um copo de tinto.
É a hora da doce melancolia
E do leve sentimento de culpa
E da idiota reflexão sobre a idiossincrasia
De se ser velho, europeu e português,
Na ponta de uma navalha
Da economia
Da política
Da demografia
E da geografia.

Não escolhi nascer.
Não escolhi pai e mãe.
Não escolhi o pedaço de chão onde fui parido.
E não sei o que farei com este poema,
Que não vale um algoritmo
Nem um simples teorema.
E que não é de protesto
Nem é manifesto.
Entre a ciência da morte
E a fé da ressurreição,
Haverá sempre uma santa
Que me valha.
Ou uma azinheira ou uma carvalha
Onde possa pôr a uma santa aparecida
Que me salve da má consciência
De la movida.

Lourinhã, Praia da Peralta, Agosto de 2008

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