quarta-feira, maio 01, 2013

Oração fúnebre: Horácio Mateus (1950-2013)


Horácio,
querido amigo, 
grande lourinhanense, 
geálico nº 1… 

És o primeiro a partir,
nessa viagem solitária e sem retorno 
que todos teremos que fazer um dia. 
Só não sabemos quando nem em que lugar, 
só o velho barqueiro de Caronte 
é que tem a lista dos passageiros 
e os horários e os percursos da última viagem 
da terra dos vivos. 
Mas estamos tristes, 
infelizes, 
inconsolados, 
porque achamos que partiste cedo demais. 
Tinhas direito a realizar os teus sonhos. 
E alguns levaste-os contigo para sempre, 
sem os poderes partilhar connosco. 

Alguns desses sonhos realizaste-os
e deves ter orgulho neles; 
o grande amor da tua vida, 
a Isabel, 
os teus filhos, 
o Simão e o Octávio, 
que seguiram as tuas peugadas, 
a tua filha Marta,
o GEAL, o museu… 
Poucos são aqueles que são profetas 
na sua terra. 
Tu podes orgulhar-te de ter sido um deles. 
E um dia o Parque Jurássico 
pelo qual lutaste, 
há-de fazer jus 
ao teu nome, ao teu exemplo, à tua obra, à tua memória.

Sem a tua saudável loucura, 

tua, da Isabel, do Octávio, do Simão,
e de outros tantos geálicos, 

alguns presentes nesta hora 
em que viemos despedir-nos de ti, 
não haveria lugar a alguns dos sonhos bonitos 
que aconteceram na nossa terra, 
e que irão continuar a acontecer, 
sob a tua inspiração e proteção. 

Tu foste um exemplo de paixão pela vida, 

pela terra, 
pelos seres que o habitam ou habitaram, 
pelas artes e ofícios dos nossos antepassados, 
pelas pedras das suas casas, 
pelos muros dos seus caminhos, 
pelas árvores dos seus campos… 

Cultivaste a paixão
pela história, 
pela ciência, 
pela cultura, 
pelo património de todos nós. 

És também um exemplo de amor 

pela tua (e nossa) terra, Portugal e a Lourinhã, 
mesmo quando a tua terra 
nem sempre te compreendia, 
ou te reconhecia 
ou te amava, 
como devia, 
e como tu esperavas. 
Julgo que terá sido Fernando Pessoa a dizer 
que quando um português sonha, 
alto e bom som, 
há logo alguém que o acusa de estar 
fora de escala 
e de ser doido varrido...

Pois bem, tu tiveste o mérito
de nos desassossegar, 
desinquietar, 
e de  juntar alguns de nós, 
e pôr-nos a sonhar alto 
e a fazer coisas, 
com paixão, 
com inovação, 
com verdade, 
com rigor e credibilidade. 

E isso às vezes incomoda
os que se sentam na cadeira 
da inércia, da mediocridade, do comodismo, da inveja. 

Obrigado, Horácio,
pela tua saudável loucura, 
pela tua criatividade (muitas vezes imprevisível), 
pelo teu humor (às vezes inconveniente e corrosivo 
mas sempre inspirador), 
Obrigado pelas flores que soubeste cultivar 
no teu jardim do amor, da amizade e da convivialidade. 

Foste um homem bom,
um bom cristão 
como Cristo possivelmente gostaria 
que fosse um bom cristão, 
um ser humano que soube nesta terra 
praticar as obras de misericórdia 
que vêm no evangelho do teu homónino, 
São Mateus… 
Lembras-te ? Sete eram corporais: 
Remir os cativos e visitar os presos; 
curar os enfermos; 
cobrir os nus; 
dar de comer aos famintos; 
dar de beber a quem sede; 
dar de pousada aos pobres e aos peregrinos; 
e enterrar os mortos… 
Ou de dar um barco ao náufrago, 
como diz o livros dos mortos dos antigos egípcios… 

E as outras sete obras de misericórdia eram espirituais: 

ensinar os simples; 
dar bom conselho a quem o pede; 
castigar com caridade os que erram; 
consolar os tristes desconsolados; 
perdoar a quem nos errou; 
sofrer a injúrias com paciência; 
rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos. 

Na tua vida, tão rica e tão curta,
fizeste tudo isso, 
sem alarde,
sem pompa nem circunstância,
foste um homem misericordioso. 

Onde quer que estejas,
tens direito a estar em paz. 
Se existe o céu, será aí a tua morada. 
Nesta terra, 
que foi a tua terra da alegria, 
mas também às vezes uma das estações do inferno, 
serás sempre lembrado 
por aqueles que querem e podem honrar a tua memória. 

Quanto a nós,
vamos ter muitas saudades tuas. 
À boa maneira dos nossos antepassados romanos, 
dir-te-ei: Requiescat in pace. 

Descansa em paz, Horácio, 

Descansa finalmente em paz!

Lourinhã, Capela de Nossa Senhora dos Anjos, 30 de abril de 2013