segunda-feira, setembro 26, 2005

Blogantologia(s) II - (2): Poemombro ou um ombro amigo

Originalmente publicado como post de 6 Maio 2004 >
Blogantologia(s) - X: O poemombro


Poemombro ou um ombro amigo

Às vezes a gente pensa
que o mundo vai desabar.
Às vezes a gente julga
que o céu vai cair
em cima das nossas cabeças.

Às vezes a gente deixa de ver.
E de sentir. E até de pensar.
Às vezes a gente vê que não há luz.
Que estamos num túnel.
Que não há luz ao fundo do túnel.
Que há alguém que te diz:
- É o fim! Acabou-se!
Ou então:
- É bom que esqueças,
Desiste,
Parte para outra!

Às vezes a gente tem dúvidas.
E pergunta se vale a pena.
Se valeu a pena.
Às vezes a gente até duvida
do amor e da amizade
dos que nos amam e gostam de nós.
Às vezes a coisa parece que está feia.
Às vezes parece que tudo é feio.
Que a coisa está preta e feia.
A vida, o país, o mundo à nossa volta.
Os outros.
O marido ou a mulher.
Os filhos
Os amigos.
Os colegas de trabalho.
Os vizinhos.
Os concidadãos.
Os homens e as mulheres do meu país.
A humanidade,
por fim globalizada.

Às vezes dá-te uma enorme vontade de chorar.
E de parar no caminho.
E de chorar numa pedra do caminho.
Às vezes a gente quer desistir de caminhar.
A gente sente que lhe faltam as forças.
E que já que foi longe de mais.
Que não nascemos para caminhantes.
Que já fizemos a nossa parte.
Que já cumprimos o nosso papel.
Que as pernas estão cansadas.
As pernas. O corpo. A alma.
Os músculos. Os ossos.
Que andamos a caminhar há muito tempo.
Que já demos a volta ao mundo
não sei quantas vezes.

Às vezes a gente apercebe-se
Que tem uma enorme vontade de chorar.
Mas que não tem lágrimas para o fazer.
Não tem sequer forças para o fazer.

E é então que nos dá uma raiva danada.
Telúrica. Fulminante. Brutal.
Uma raiva de vulcão.
E descobrimos o terrível vulcão que há em nós.
E a gente, de repente,
dá de novo à chave de ignição.
... E retoma o caminho.

Querid@ amig@:
Eu sei que não podemos competir com os vulcões.
Que só explodem de mil em mil anos.
Ou de cem mil em cem mil, tanto faz.
E que são uma força bruta da natureza.
Brutal. Fulminante. Telúrica.
Mas temos o direito de explodir.
De dizer o que nos vai na alma.
Temos o direito ao nosso vulcão.
Tu tens direito ao teu vulcão.
Tens direito mesmo ao teu vulcãozinho.
O direito de mostrar o que te dói
no corpo e na alma.
De chorar. De chorar de raiva.
Ou mesmo baixinho.

A única diferença,
além da escala de tempo,
é que os vulcões não têm uma ombro amigo.
Para chorar.
Para encostar a cabeça e chorar.
No dia dos teus anos, como hoje,
Ou em qualquer outro dia da semana.
Em qualquer outro dia do ano.
Sempre que te apetecer.
Sempre que te der raiva de chorar.

Se @s amig@s têm algum préstimo
É justamente para saber ouvir.
Ouvir, escutar, entender
Mais do que falar, analisar ou compreender.
Para estar contigo.
Simplesmente para estar ao pé de ti.
Ou para te segredar ao ouvido
Qualquer coisa que te faça sorrir.
Ao ouvido, baixinho.
E sobretudo para te oferecer
o ombro amigo.
Pode até ter pouco préstimo
Mas sempre é mais macio e quente
Do que a pedra do caminho.


Lisboa, 29 de Abril de 2004 / Revisto em 26 de Setembro de 2005



PS - Um (pre)texto que serviu de prenda de aniversário para uma amiga, a Matilde, que fazia anos neste dia e que estava a precisar de um ombro amigo.
Do nosso ombro amigo. Luís e Alice.

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