domingo, novembro 01, 2009

Blogpoesia(s) II - (82) Dizem que os amigos

Dizem que os amigos
devem ser para as ocasiões.
Todas as acasiões?
As boas e sobretudo as más ?
Que os amigos conhecem-se
na adversidade,
diz o provérbio.
Os amigos, os verdadeiros e os falsos,
conhecem-se nas ocasiões.
Que a adversidade é o teste da amizade.
A prosperidade traz amigos,
a adversidade os afasta,
diz o chinocas da minha rua,
que não tem amigos.
Que no céu se fazem amigos;
e no inferno, inimigos.
No aperto do perigo, conhece-se o amigo.
A verdade é um osso duro de roer,
até para o cão que roi o osso.
Que os amigos fazem-se,
praticando a amizade:
tal como os caminhos que,
se não se usam,
ganham espinhos, ervas, silvas, pedras, obstáculos.
Ou na versão de um velho homem grande africano:
A amizade é uma picada
que desaparece na areia ou no mato,
se não a usares todos dias
Não aceito que digas:
Amigo não empata amigo.
Por que o amigo é para se usar
e guardar.

A conselho amigo, não feches o postigo,
além de que
amigo diligente, é melhor que parente.
Mas atenção,
amigo disfarçado, inimigo dobrado.
E o que fazer ao migo que não presta
e à faca que não corta ?
Que se percam, pouco importa.
Também se diz que os amigos novos
metem no canto os velhos.
Os amigos têm prazo de validade ?
Ovo de uma hora,
pão de um dia,
vinho de um ano,
mulher de vinte,
amigo de trinta
e deitarás boa conta.
Amigo, vinho e azeite o mais antigo.
O vinho e o amigo, quer-se do mais antigo.
E por que é que os amigos dos meus amigos meus amigos são ?
Serão ou não…

Que sei eu ?
São tantas as ideias estereotipadas
sobre os amigos e a amizade.
Amigo verdadeiro vale mais do que dinheiro.
O próximo teste
é quando ganhares o Euromilhões.
Amigos, amigos, negócios à parte:
Quem te avisa, teu amigo é.
Quem seu amigo quiser conservar,
com ele não há-de negociar.

Mas... quem tem amigos, não morre na cadeia.
Um rico avarento, não tem amigo nem parente.
As boas contas fazem os bons amigos.
Ao bom amigo, com o teu pão e o teu vinho.
Ao rico mil amigos se deparam,
ao pobre seus irmãos o desamparam.
Aquele que me tira do perigo, é meu amigo.
Bocado comido não faz amigo.
Defeitos do meu amigo, lamento mas não maldigo.
Em tempo de figos, não há amigos.
Muitos conhecidos, poucos amigos.
Não há maior amigo do que o Julho com o seu trigo.
Olha, mulher, se não tens marido, não tens amigo.
Amigo mesmo é aquele que sabe o pior
a teu respeito
e assim mesmo continua a gostar de ti.
Quando uma pessoa perde dinheiro, perdeu muito;
quando perde um amigo, perdeu mais;
quando perde a coragem e a fé, perdeu tudo.
Difícil, minha querida Amiga,
é ganhar um amigo numa hora;
fácil é ofendê-lo
e perdê-lo num um minuto.

Hoje é o amanhã que tanto nos preocupava ontem
Nõo menos sábia é a sabedoria do mongol:
O vitorioso tem muitos amigos,
mas o vencido tem bons amigos.
E até o otomano, aprendeu à sua custa:
Quando o machado entrou na floresta, as árvores disseram:
- O cabo é dos nossos!
Resta-nos a doce memória do passado:
O que foi duro de sofrer
é agora doce de recordar.
Planta hoje a semente
para colheres amanhã a amizade
Ser amigo é ser geneoso,
é dar antes de te pedirem.
Se estás tão cansada que não possas dar-me um sorriso,
eu deixa-te o meu.
Volta teu rosto na direção do sol
para que as sombras fiquem para trás.
As lágrimas dos bons caem no chão,
Para poderem vir a engrossar os rios da revolta
e da indignação.
Inútil tentares juntar as tuas mãos
se elas não estiverem vazias, diz-se no Tibete.
Quando estás certo, ninguém se lembra;
quando estás errado, ninguém esquece.
Antes de começar o trabalho de mudar o mundo,
dá três voltas dentro de tua casa...
E sobretudo não esqueças:
Para os erros alheios temos os olhos de um lince;
para os nossos próprios, os olhos de uma toupeira.

domingo, maio 10, 2009

Blogantologia(s) II - (81): Bela Helena, abelha de mel e ferrão

Vale de Frades, Lourinhã > Junho de 2007 > A lotaria da geografia e da história

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


O sexo em tempo de guerra (*)

Amorosa Helena,
pequena fula dengosa,
salva das garras do Islão
por zelosos missionários,
católicos,
apostólicos,
romanos,
mas não da faca da fanateca,
que te extirpou,
na festa do fanado,
o teu belo clitóris,
para te tornares o colchão de todas as camas,
a Vénus negra de batalhões inteiros,
a iniciadora sexual de tugas,
mancebos
que as sortes vieram arrancar às saias das mamãs,
a alegre,
a divertida,
a traquinas companheira de muitas farras de caserna,
correndo, nua e lasciva,
do regaço de tropas bêbedos que nem cachos,
para o abrigo mais próximo
quando às tantas da madrugada
soava o canhão sem recuo,
estoirava o morteiro 82,
disparavam os RPG
e silvavam as balas das Kalash!...

Bela Helena de Bafatá,
que sabias pôr na ordem
os arruaceiros pára-quedistas de Galomaro
que te batiam à porta a pontapé,
quando eu estava contigo,
deitado na tua liteira,
e me dispensavas pequenas gentilezas
- um ronco de missangas, vermelhas,
uma noz de cola,
uma cantilena da tua infância,
um punhado de mancarra seca ao sol,
uma talhada de papaia que trazias do mercado -,
sempre que eu ia a Bafatá
e procurava a tua companhia,
na melhor das hipóteses,
uma vez por mês,
no dia de folga dos guerreiros de Bambadinca…
Tu e as tuas amigas de Bafatá,
do Bataclã,
que tanto trabalho deram
ao competentíssimo furriel enfermeiro Martins,
que nunca punha os pés fora da sua morança,
e que eu duvido que alguma vez tenha ido a Bafatá,
o nosso querido Pastilhas,
que vivia 24 horas dentro do arame farpado,
no perímetro militar de Bambadinca,
trabalhando incansavelmente,
de bata branca,
em prol de uma Guiné Melhor,
que nos aturou mil e um travessuras,
bravatas,
praxes,
esperas,
serenatas,
tainadas,
emboscadas,
partidas de mau gosto,
brincadeiras estúpidas e perigosas,
bebedeiras de caixão à cova
e que sobretudo nos curou
de alguns valentes esquentamentos…

Destes e doutros males de amores,
dos milhões de unidades de penicilina
com que tu subtilmente te vingaste dos machos,
estás perdoada, Helena,
abelha do mel e do ferrão.
Afinal, quem vai à guerra,
dá e leva…
Tu curavas-nos dos males da alma,
o Pastilhas das mazelas do corpo…
Entretanto, quando a guerra acabou,
para mim
e para os demais tugas da CCAÇ 12,
por volta do mês de Março de 1971,
não tive tempo de te devolver
a pulseira de missangas vermelhas,
nem sequer de te dizer uma palavra,
um Adeus, até sempre,
um adeus, triste,
com saudade, morabeza,
essa coisa que os tugas nunca te souberam explicar,
mas sem regresso,
e sem lágrimas,
que Lisboa estava ali,
tão longe e tão perto...
Prometi guardar de ti
a doce lembrança,
das tuas estridentes e saudáveis gargalhadas,
da tua voz rouca e sensual,
da tua fala encantatória,
do cheiro exótico do teu corpo,
das tuas sagradas funções de sacerdotiza
do amor em tempo de guerra…

Imagino que a tua vida não tenha sido fácil
depois da independência,
se é que lá chegaste,
com vida e saúde…
Se sim, não sei como viveste esse dia,
24 de Setembro de 1974,
não sei te raparam o cabelo,
ou se te apedrejaram, amarrada a um poilão,
ou se te violaram
ou se te renegaram para sempre,
que a pior das mortes
é a morte social.
Nunca mais tive notícias tuas,
mas, dez anos,
revendo mentalmente
a minha primeira viagem,
por terra,
em pleno chão fula,
do Xime até Contuboel,
onde os esperavam os nossos queridos nharros,
ao longo do interminável dia 2 de Junho de 1969,
o teu nome,
o teu rosto,
a tua voz,
o teu odor,
o teu corpo,
a tua púbis,
e as tuas gargalhadas, quiçá magoadas,
vieram-me à lembrança…
E essa lembrança tocou-me.

Lembrei-te de ti,
da história que se contava sobre ti,
passada em Ponta Coli,
entre o Geba e o Udunduma,
frente à vasta bolanha de Samba Silate,
agora seara inútil de capim alto,
com o cadáver do furriel vagomestre do Xime nos braços.
Lembrei-te de ti
e das minhas escapadelas a Bafatá…
Ia-se a Bafatá,
a bonita e alegre Bafatá colonial,
para limpar a vista,
entrar no café da Dona Rosa,
ver as manas libanesas,
comprar umas bugigangas da civilização,
comer o bife com ovo a cavalo na Transmontana,
dar um salto ao Bataclã
e passar pelo Teófilo,
para o copo de despedida,
antes de apanhar o último Unimog,
de regresso a Bambadinca...

Eram os únicos momentos do mês
em que eramos donos do nosso tempo,
em que a nossa liberdade não estava cercada
de arame farpado e minas,
nem pensávamos na emboscada de ontem
nem na operação de amanhã.
Também foste, à tua maneira,
uma heroína daquela guerra,
minha impossível amiga colorida,
separada pelos papéis
que nos obrigaram a representar
no teatro da tragicomédia daquela guerra…
Daí figurares,
contra toda a ortodoxia
(do teu povo, fula,
dos teus missionários, cristãos, que te queriam a alma,
dos tugas, putos de vinte anos,
que apenas te queriam o corpo,
dos revolucionários do PAIGC
que não te terão perdoado
o teu colaboracionismo com os tugas,
para mais sendo tu conterrânea do pai da Pátria,
o pobre do Amílcar Cabral
tantas vezes morto e remorto
ao longo destes anos todos),
daí figurares, dizia eu,
na minha galeria de heróis
e de heroínas…
Por direito próprio,
com todo o direito,
com o direito que ganharam as mulheres do teu país,
pobres,
as mais pobres dos mais pobres,
mas sempre dignas e corajosas,
apesar de ofendidas e humilhadas,
exploradas,
violentadas pelo sistema,
pela guerra,
pela dominância dos machos,
pelo imperativo da sobrevivência,
pela lotaria da geografia e da história…
Aceita esta pequena homenagem da minha parte.
Em contraparida,
dá-me o derradeiro prazer,
esse prazer tão terno,
de te ouvir soltar as tuas gargalhadas,
minha safada Helena de Bafatá,
onde quer que estejas,
...na terra,
no céu
ou no inferno!

Luís Graça

_________

(*) Publicado originalmente no blogue Luís Graça % Camaradas da Guiné > 9 de Maio de 2009 Guiné 63/74 - P4306: Blogpoesia (46): O sexo em tempo de guerra (Luís Graça)

sexta-feira, abril 24, 2009

Blogantologia(s) II - (80) O menino da escolinha do Fiofioli

Um dia os historiadores haverão de ganhar dinheiro
à nossa conta,
da nossa e dos pobres guinéus
que andaram, tal como nós,
com a canhota na mão,
no Fiofioli,
em Guileje
ou noutros sítios lá no "cu do mundo,
longe do Vietname".

Eu não estive no Fiofioli,
em Março de 1969,
no decurso da Operação Lança Afiada.
Já estava no Campo Militar de Santa Margarida,
com outros camaradas,
com guia de marcha para a Guiné,
aonde chegaríamos em finais de Maio desse ano
para formar,
em Contuboel,
a futura CAÇ 12,
uma companhia de "nharros", de fulas ...

E também nunca lá fui depois,
ao Fiofioli, no meu tempo.
Nem eu nem ninguém, que eu saiba.
Estivemos só nos arredores,
mas ainda longe,
em operações, com a nossa tropa-macaca.

Se algum de vocês, algum dia,
antes, durante e depois da guerra,
esteve no mítico Fiofioli
(que pena eu não poder pôr isto no meu currículo!),
peço-vos que me mandem o vosso testemunho,
alguma estória,
alguma foto,
alguma pulseira de missangas,
vermelhas,
algum caderno escolar,
mesmo sujo e rasgado,
alguma lágrima de algum menino,
balanta ou beafada,
que nesse dia,
em 15 de Março de 1969,
não pôde ir à sua escolinha,
como de costume,
debaixo do belíssimo poilão da sua tabanca,
porque teve de fugir
e cambar o Rio Corubal,
à pressa,
em pânico,
sob as bombas dos T-6
e dos Fiat G-91,
a metralha do helicanhão,
e os gritos dos seus pais e irmãos:
"tuga, tuga, gosse, gosse"...

quinta-feira, abril 16, 2009

Blogantologia(s) II - (79): Rua da Conceição nº 100, Lisboa, 1976

Lisboa > Terreiro do Paço (antes do terramoto de 1755) > Azulejos (pormenor) > Casa do Alentejo > 17 de Janeiro de 2009.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Rua da Conceição nº 100, 1976

Blogarias.
Papéis velhos,
amarelecidos,
desenterrados do baú.
Literalmente,
do baú do sótão da casa e da memória.
Outros tempos.
Outros estados de alma,
se é que a alma tem estados,
como a matéria
que é sólida, líquida ou gasosa.
Em 1976, o mundo ainda era
a preto e branco.
Não havia televisão a cores.
Nem computadores pessoais.
Era a pré-história de qualquer coisa
que mal se advinhava.
Havia a IBM
e as main frames
e as máquinas da Bull
e o cartão perfurado.
E a guerra fria,
que ironia.
Escrevias numa maquineta
de dactilografar,
levezinha,
daquelas portáteis.
Imperial, inglesa, vitoriana.
AZERT ou HCESAR ?
Não, não tinha certificação de qualidade.
Eras estudante de sociologia.
Um safado,
Um sacana,
Um semi-privilegiado
Do hemisfério norte.
Trabalhador-estudante.
Ex-combatente
Da guerra colonial.
Com sorte.
E com culpa por ter tido sorte.
Trabalhavas na Rua da Conceição,
nº 100.
Na Baixa.
Num velho prédio pombalino.
Ao serviço do fisco.
E do seu projecto de modernização.
E apanhavas o já famoso 28,
o eléctrico amarelo da Carris,
para ires almoçar a casa.
Moravas nas traseiras da Infante Santo,
no bairro da Lapa dos pobres,
dos criados da velha nobreza decadente.
Numa parte de casa de estudantes
e de obscuros professores de economia
que um dia irão vingar-se
do triunfo do mercado.
Travessa do Possolo, meu caro,
Nº 17, 19 ou 21,
já não me lembro.
Tinhas posto um anúncio no Página Um,
uma pasquim esquerdista,
dirás tu quando tiveres 70 anos.
Tentando a sorte de arranjar
uma casa ou parte de casa.
Que quem casa, quer casa.
Que a crise de habitação já não é de agora,
vem de trás,
desde que congelaram as rendas
e prometeram o bacalhau a pataco
à rapaziada da classe operária.
Ainda te recordas
que o anúncio (pessoal) começava assim:
"A um capitalista
que leia o 'Página Um' por engano"…
Arranjaste uma parte de casa.
Estudavas à noite.
Eras casado.
Não tinhas filhos.
Mas houve um senhor ministro,
O Sottomayor,
o Cardia,
paz à sua alma,
que decidira mandado fechar o teu instituto,
o ISCPS.
Em nome da normalização
democrática.
Tinham tirado o U ao velho ISCSPU,
depois da queda do império colonial.
Sanearam as 'múmias', os profes.
Decapitaram o conselho científico.
Importaram latino-americanos para ensinar
a sociologia da mudança, da revolução.
Os assistentes e os estudantes tomaram o poder.
Alguém escreveu nas paredes do Palácio Burnay,
que era o homem mais rico de Portugal
no virar do Século XIX.
Nada que não se tivesse visto antes,
noutros tempos,
noutros lugares.
O poder tem horror ao vazio.
O Sotto Mayor Cardia tinha horror ao vazio.
Foste para o ISEG,
Onde continuaste a martelar
O economês e o sociologuês.
Outros como o pobre do Salgueiro Maia
ficaram por lá,
na Guerra Junqueiro,
para acabar a antropologia.
Para gerir mais presídios transformados em tristes museus.
Imagino que ele fosse bom em etnologuês,
que é o dialecto que nos resta,
à porta de entrada da Europa.
Mas os sociólogos e os economistas foram corridos.
Acabaste, no 3º ano,
por ir parar ao ISCTE,
do senhor engenheiro Sedas Nunes.
Algumas destas blogarias
são dessa época, de 1976/1977.
Outras são até mais antigas.
Tinhas-lhes perdido o rasto.
Já não te reconheces totalmente
no que escrevias nessa época.
Não tens que te reconhecer,
que um homem não é de pau,
nem cara de pau,
nem de pau santo,
nem de cera,
nem de marfim.
Nem é feito de uma só peça,
a canivete,
Mas não rejeitas esses escritos
nem vás branqueá-las,
nem muito menos sorteá-los.


o tempo era de outono
e de 1976
o lugar poderia ser portugal
porta do cavalo da europa

exercícios de estilo,
atenção meus senhores
isto é um assalto,
façam exercícios compensatórios,
mãos ao ar,
cabeça direita,
nada de truques,
impressões de viagem no eléctrico
Estrela rua da Conceição,
fichas de leitura
na diagonal,
escrita automática,
contributo para um novo modo de produzir
e de viver
faits divers
a ideologia que se consome todos os dias
à mesa da boa consciência,
o direito de cagar ao ar livre,
consagrado na constituição,
já,
reclamavam os velhos anraquistas,
notícias necrológicas,
Max Weber, Durhkeim,
a epistemologia,
histórias aos quadradinhos dum maginal-secante,
boletim metereológico
da revolução que o não será,
revolução pr’amanhã.
Prá mamã.
Mas quem pediu uma revolução pr’ amanhã, prá mamã ?
Cartas clandestinas
ou nem por isso,
folha dominical para os dias cinzentos da semana,
informações pidescas ou pós,
relatório do crime,
pequena enciclopédia da via sexual
dos sete aos setenta anos,
o ânus horrível de 76,
a bancarrota,
que o FMI vem aí,
o arroto da banca
nacionalizada, nossa,
diziam os bancários agora banqueiros,
títulos de caixa alta
o tédio em tempo de paz,
a imaginação para a prisão,
recortes de A a Z,
curriculum vitae oprimido e explorado,
cadastrado,
o livrinho cor de rosa dos maus pensamentos,
transgressões íntimas,
o elogio do colchão ortopédico,
misérias e grandezas do(a) capital,
blá blá,
o livrinho vermelho dos maoístas
onde a explicação do mundo
cabe numa metáfora,
peças em 1 acto (sexual),
fogo sobre o revisionismo
e o social-facismo,
parecer sobre o estado calamitoso do reino,
a arte de fugir ao fisco,
os contos do vinho tinto,
a autofagia,
o fantasma do Pessoa
na tabacaria da esquima,
no Martinho da Arcádia,
ali tão perto,
ou a economia política
ao alcance de todas bocas,
proletas de todo o mundo (re)uni-vos.
ou melhor: os destroços das batalhas perdidas
dos últimos dois séculos.
Vous aimez Marx ?
A angústia em papel celofane,
poesia,
amor,
ao domingo,
na Rua da Conceição nº 100,
um pardieiro,
arte,
guerra,
solidão,
solidariedade de classe,
revolução de manhã, sol à tarde,
como a eira de sequeiro
e a horta de ragadio:
misturem bem e bebam frio!
Haraquiri dum petit-bourgeois,
aqui e agora
comem-se castanhas assadas
no jardim da Estrela.

PS - Nesse tempo não havia velhos.

quarta-feira, abril 15, 2009

Blogantologia(s) II - (78): A guerra como forma (heróica) de suicídio... altruista

Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saiem. Adeus checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito (*)


Foto: ©
Tino Neves / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.



A guerra como forma (heróica) de suicídio altruista

Quem terá sido o 'grafiteiro'
(avant la lettre...)
que escreveu:
"Em Mueda, os cordeiros que chegam, são lobos que saem" ?

É um pensamento que é válido
para todas as situações de guerra.
Os jovens, quase imberbes,
os meninos de sua mãe
(como escreveu o grande Pessoa),
que chegam à frente de batalha,
ainda são cordeiros,
inocentes,
virgens,
imaculados...
O horror e a violência da guerra
irão transformá-los em lobos,
em duros,
em violentos,
em conspurcados...
Não necessariamente predadores,
assassinos,
criminosos...
(que é o estereótipo
que o ser humano ainda guarda
do pobre do lobo mau!)...

Mas há, seguramente, uma perda de inocência:
nenhum de nós foi para a Guiné
e veio de lá impunemente,
igual...
Os nossos amigos e familiares deram conta disso:
já não éramos os mesmos,
nunca mais fomos os mesmos...

Acho que é isto
que o inspirado autor do mural de Mueda quis dizer.
É claro que há também aqui
a dose habitual de bravata e de fanfarronice:
é uma frase para intimidar
os 'checas', os 'piras', os 'maçaricos', os novatos...

Também os militares, profissão de risco,
têm a sua ideologia defensiva,
as suas crenças,
os seus talismãs,
os seus mesinhos
(usavam-nos os guerrilheiros
na Guiné,
em Angola,
em Moçambique,
não obstante a sua 'formação' racionalista,
marxista-leninista,
dita revolucionária)...
A bravata e a fanfarronice,
além das praxes e do álcool,
ajudavam-nos, a todos nós,
a lidar com o medo,
as situações-limite,
a morte,
o sofrimento, físico e moral,
a impotência,
o desespero…

Não há, nunca houve,
super-homens,
super-heróis:
há apenas deuses,
que inventámos, à nossa imagem e semelhança,
e para quem transferimos qualidades e defeitos humanos...
Que inventamos todos os dias…
Precisamos dos mitos,
das lendas,
da efabulação,
do pensamento mágico,
mesmo sob a roupagem (enganadora) da ciência e da tecnologia.

Daniel Roxo deve funcionar,
para os nostálgicos do paraíso perdido do 'apartheid'
(Moçambique, Rodésia, África do Sul...),
como o Che Guevara
que (ainda) funciona como um ícone,
tanto para os jovens sem ideologia de hoje,
como para os ‘cotas’,
os seus pais e tios,
os velhos revolucionários românticos
que queriam, nos anos 60 e 70,
incendiar o mundo,
criando um, dois, três, muitos Vietnames!...

Há homens que são incapazes de deixar de combater...
Mesmo, no limiar da decadência física,
a adrenalina da guerra é mais forte que a razão...
É um pulsão muito forte.
O que terá levado este e outros compatriotas nossos
a alistar-se nas forças especiais do regime racista da África do Sul
e a morrer em Angola por uma pátria que não era a sua ?
Poderei perguntar o mesmo pelos cubanos
que morreram em Angola (mas também na Guiné).
Dir-me-ão que lutavam por um mundo em que acreditavam,
por uma bandeira,
por uma causa que era a sua razão de vida...
Sou céptico:
o ser humano é motivacionalmente muito complexo
e manipulável
e moldável…
Creio que a guerra também poder viciante,
havendo homens que nela entram
e dela nunca mais saem...
A guerra pode ser uma forma (heróica) de suicídio...
altruista.

_________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)

6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2032: Estórias de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2127: Estórias de vida (5): Sérgio Neves, meu irmão, um homem bom (Tino Neves)

sexta-feira, abril 10, 2009

Blogantologia(s) II - (77): Para a Teresa, ao Km 60 da viagem da sua vida...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > A tradicional bola de carne da Páscoa...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Um quadro oferecido pela Joana Graça...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Uma nota aristocrática numa das belas casas brazonadas do centro da cidade de Macedo de Cavaleiros...


Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > O regresso às origens, às velas casas de xisto (em Vale de Prados)...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas (aqui conversando com os seus amigos e convidados)...


Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Uma caixinha (neste caso, cesto) de surpresas...


Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Da esquerda para a direita: a Teresa, a Fernanda Rodrigues, professora universitária, e a Inês, filha da Teresa e do João (já falecido), doutoranda em Barcelona...


Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Um momento musical (que durou até às tantas): da esquerda para a direita, a Alice, o Manul Salselas e a Inês...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Da esquerda para a direita, Laura, Bonina e Teresa...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > O David, a Ana Salselas (médica, interna de hematologia no Hospital e São João) e a Teresa..

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > O Daniel, neto dos agricultores que são vizinhos e amigos da Teresa (que vive no Porto)...


P’ra Teresa, ao quilómetro 60 da viagem da sua vida…

Queremos que saibas
que é, para nós, um privilégio
o teu nome figurar na lista
das nossas amigas… favoritas.

De: Alice, Luís, Joana e Laura



Refrão

Aqui estão estes romeiros,
Prontos para a tua festa,
Que em Macedo de Cavaleiros,
Não há amiga como esta.


Uns mouros, outros morcões,
Com mais jeito ou menos jeito,
Mas pr’as grandes ocasiões,
Todos amigos do peito.

Sessenta anos de doçura,
Em Vale Prados nascida,
És um poço de ternura,
És a nossa Teresa querida.

Mais que amiga, és irmã,
- diz a Alice, mui certeira -,
Oráculo, talismã,
Uma leal conselheira.


Refrão

Aqui estão estes romeiros,
Prontos para a tua festa,
Que em Macedo de Cavaleiros,
Não há amiga como esta.



És da Rua da Alegria,
Que já foi a da Tristeza,
Diz a Laura, nada tia,
P’ra sua vizinha Teresa.

Admiro a profissional,
Exemplo de competência,
No Serviço Social
É p’ra nós uma referência.

Intuitiva e transgressora,
Explorando outros caminhos,
És de ti sempre senhora,
Mesmo quando nos dás miminhos.

Refrão

Aqui estão estes romeiros,
Prontos para a tua festa,
Que em Macedo de Cavaleiros,
Não há amiga como esta.



E o que diz a Joaninha,
Artista, coach, ‘voa-voa’ ?
- É só mimos, Teresinha,
Quando você vai a Lisboa.

Há bruxas, duendes e fadas,
Quando conversas co’ a gente,
Deixas na alma dedadas,
E o teu toque a gente sente.

Faço versos para elas,
E ‘pra eles, por que não ?
Mas pr’a Teresa Salselas,
…Só um poema-coração!

Sessenta é sabedoria,
Marca de serenidade,
Título de poesia,
Prova de felicidade.

Refrão

Aqui estão estes romeiros,
Prontos para a tua festa,
Que em Macedo de Cavaleiros,
Não há amiga como esta.


Macedo de Cavaleiros,
Vale de Prados,
10 de Abril de 2009

domingo, março 15, 2009

Blogantologia(s) II - (76): Beware of pickpockets!



Foto: Luís Graça (2009). Direitos reservados


Beware of Pickpockets


No metro de Lisboa,
Colina acima,
Rua abaixo,
A vida underground.
Stop.
A economia subterrânea.
Stop.
A morte na alma.
Stop.
A ponte suspensa
Sobre as nossas cabeças.
Ponto.
Sinais do telégrafo
Que morrem, à toa,
À tona de água,
No estuário do Tejo.

Beware of pickpockets,
Cuidado com os carteiristas!,
Que isto é um assalto
À caixa
De Pandora.
Multibanco.
Ruas de ouro e prata
Do Novo Mundo
Que houvera de chegar.

Compro castanhas,
Quentes e boas,
Em Lisboa,
Numa manhã melancólica
De Outono.
Enquanto a vida segue
Pelas ruas, sujas,
Da amargura.