segunda-feira, janeiro 02, 2012

Blogantologia(s) II - (97): Dies irae, dies illa!

Dies ira

Dedicado a todos os camaradas,
humilhados,
esquecidos,
abandonados,
ostracizados,
emigrados,
exilados,
que um dia subiram o portaló
dos Niassa, dos Uíge, dos Ana Mafalda,
a caminho da Guiné,
aquela terra verde e vermelha
que a todos nos marcou,
a ferro e fogo...
sem esquecer os que simplesmente viajaram nos TAM!

Que o ano de 2012,
mesmo de raiva,
seja de coragem e de esperança!
Como os anos que passámos na Guiné!



Cavalgam caudalosos os rios
Pela terra adentro,
Enquanto fluem ruidosos
Os dias da guerra.

Rios que não são rios
Mas rias,
Entranhas ubérrimas
Fustigadas pelo vento,
Rias baixas pela manhã,
Pedaços, braços de mar,
Restos de tsunamis,
Pontas de fuzis,
Palavras acérrimas,
Imprecações ao Grande Irã,
Picadas minadas
De ir e não mais voltar.

Dias que não são dias,
Circadianos,
Mas fragmentos,
Ora ledos ora amargos enganos,
Estilhaços de tempo,
Riscos nas paredes sujas dos bunkers,
Repentinas emboscadas,
Breves finais de tarde,
Instantes,
Flagelações,
Balas tracejantes
Sob o céu verde e vermelho
Enquanto o capim arde.

Narciso, revejo-me ao espelho,
Quebrado,
Vou nu,
De camuflado,
De azul,
Celestial,
Ao encontro do anjo da morte
Em Jugudul.
E não há estrelas
À noite,
Mas a bússola indica o norte,
Sideral,
Nunca o sul,
Nunca o nascer nem o morrer.

Dies irae, dies illa,
Dia de ira, aquele,
Em que subiste o cadafalso do Niassa,
Ou do Uíge ou do Ana Mafalda,
Dias de ira, aqueles,
Os da guerra!
Calai-vos,
Rápidos do Saltinho,
Rápidos de Cussilinta,
Vós que mais não sois
Do que canoas loucas,
Desenfreadas,
Levadas pelo macaréu da nossa raiva,
Entre o Geba e o Corubal.

Braços que não são braços,
Amputados,
Mas apenas tatuagens,
Traços,
Letras de fado pungentes,
Pontes que são miragens,
Tentáculos, serpentes,
Lianas, cortadas pela catana,
A eito,
Pela floresta-galeria,
Inferno tropical,
Túneis, tarrafo,
Bolanhas, lalas, bissilões,
Curvas da morte do Cacheu ao Cumbijã,
Apocalípticos palmeirais,
Pontas de punhais
Cravadas no peito,
Irãs acocorados
No alto dos poilões.

E depois o silêncio.
O impossível silêncio.
O silêncio das partituras,
Das mapas dos argonautas,
Partículas,
Pausas,
Pautas,
Cartas de tiro
Com claves de sol,
Desidratação,
A ogiva do obus,
O medo da avestruz,
O roncar do helicanhão,
Gritos do djambé,
E do macaco-cão,
Gemidos de kora,
Espasmos de balafon,
Rajadas de kalash
Ecos do bombolom,
Bombas de fragmentação
Que correm no dorso dos cavalos
Desde o Futa Djalon.

Não vou poder ouvir o silêncio do Cantanhez,
Nem quero ouvir o grito da morte
Outra vez.
.

Vamos cantar as janeiras (4): Escola Nacional de Saúde Pública, 2011

Lisboa, ENSP/UNL, Festa de Natal,

Aos antigos diretores desta casa,
Ao presidente e membros dos atuais órgãos de gestão da Escola,
Conselho Geral,
Diretor
Sudiretora
Conselho de Gestão,
Conselho Científico
E Conselho Pedagógico…

A todos os demais senhores e senhoras,
Meninos e meninas,
Discentes, docentes e não docentes,
De todos os pisos,
De todas as secções,
De todos grupos de disciplinas,
De todos os gabinetes e projetos,
Comissões, subcomissões e grupos de trabalho…
Sem esquecer o pessoal do Back Office
Que faz parte da equipagem deste barco
(na marinha, diz-se navio, NPR –Navio da República Portuguesa):
Os serviços administrativos,
Os financeiros,
Os académicos,
Os secretariados,
As publicações,
A documentação e a informação,
A comunicação e imagem,
A informática,
As telefonistas,
A reprografia,
A manutenção, o bar, a limpeza, a segurança…
(sem esquecer os ratos, que também fazem parte de qualquer navio)

Boas festas a toda a gente,
Um Natal feliz e quente!…



O nosso alegre fadário (*)


[Tiítulo apropriado para as nossas Janeiras, em ano… em que Fado deixou de ser lisboeta e português: é agora Património Imaterial da Humanidade… E para que não digam que o ano de 2011 foi mais um annus horribilis do nosso Séc. XXI…]



Refrão

Sou o Principal
Desta Escola Nacional
Em que a saúde é global
E onde tudo é velho e novo…
E governando,
O barco lá vou levando,
Ai!...
O orçamento esticando,
Mas sempre… a bem do povo!

1.

Ainda mal era estudante,
Logo a achei deslumbrante,
Higia, deusa querida,
C’o tempo deu-lhe trela,
Namorei, fiquei com ela,
P’ró resto da minha vida!

2.

Qu’amor tão salutogénico,
Que casal tão transgénico!...
Só o Olimpo não perdoa
Tamanha humana vaidade,
A da eterna mocidade
No corpo de uma pessoa!

3.

E por mal dos meus pecados,
Chovem queixas e recados:
Essa deusa é paranóica,
Se não poupas o tostão,
Vais morrer de coração,
É melhor chamar… a troika!

4.

Pobre de mim, economista,
Nem p’rós melros tenho alpista,
Nem papel para as retretes;
Ai que me dá um achaque,
Vem lá o homem do fraque
E até nos leva os croquetes!

5.

Mesmo quem não é cá da rua,
A esta Escola chama sua:
Seu patrono é o Padre Cruz,
Tem condomínio fechado,
Com o INSA, geminado,
A quem paga água e luz.

6.

Chamam-lhe a Árvore do Mal,
Vai p’ra abate municipal,
É o cantinho do fumador…
Cada dia cai uma pernada,
E mesmo não dando por nada,
Paga o justo p’lo pecador.

7.

Para acabar o fadário,
Falta o conto do vigário,
Health is business, não é esmola:
Dando a Higia como dote,
Dá-se às manas um retoque
E cria-se a… Grande Escola!

8.

Boas festas, senhor Reitor,
Nosso amigo e benfeitor,
Saia o teste de literacia,
Oito mais um é poesia.
Soma nove e fora… NOVA,
Aqui tem a nossa prova!


9.

Boas festas, senhores discentes,
Nossos queridos clientes,
São os votos dos professores;
C’o histórico orçamento,
Quem lhes paga o vencimento
São os futuros doutores.


10.

Boas festas à Direcção,
Está cumprida a tradição,
Obrigados p’lo almoço;
Retribuímos co’ as Janeiras,
Modo de dizer asneiras
Do povo… em alvoroço!

11.

Boas festas aos demais poderes,
Científicos e pedagógicos,
Digitais e analógicos;
C’poucos teres e muitos saberes,
De fraque e até de cartola,
Assim se faz uma escola.


12.

E p’ró fim fica o melhor,
Boas festas, pessoal menor,
Nunca vos falte o trabalho:
Cá por mim nos invejo.
E neste Natal desejo:
“Nunca digam… pouco valho”!!!

Refrão


Sou o Principal
Desta Escola Nacional
Em que a saúde é global
E onde tudo é velho e novo…
E governando,
O barco lá vou levando,
Ai!...
O orçamento esticando,
Mas sempre… a bem do povo!

(*) Inspirado no Fado do Cacilheiro

Letra : Paulo Fonseca (**); música: Carlos Dias

[Criação do ator de revista José Viana, justamente imortalizado como o Zé Cacilheiro. Veja-se um vídeo, de 1966, que passou na RTP Memória, e está disponível no YouTube:

http://www.youtube.com/watch?v=qL07wLZPGFw&feature=related ]



(**) Fado do Cacilheiro

Quando eu era rapazote,
Levei comigo no bote
Uma varina atrevida,
Manobrei e gostei dela
E lá me atraquei a ela
P’ró resto da minha vida.

Às vezes, a uma pessoa,
A idade não perdoa,
Faz bater o coração
Mas tenho grande vaidade
Em viver a mocidade
Dentro desta geração.

Refrão

Sou marinheiro
Deste velho cacilheiro,
Dedicado companheiro,
Pequeno berço do povo,
E, navegando,
A idade vai chegando,
Ai…
O cabelo branqueando,
Mas o Tejo é sempre novo.

Todos moram numa rua
A que chamam sempre sua
Mas eu cá não os invejo,
O meu bairro é sobre as águas
Que cantam as suas mágoas
E a minha rua é o Tejo.

Certa noite de luar
Vinha eu a navegar
E de pé junto da proa
Eu vi ou então sonhei
Que os braços do Cristo-Rei
Estavam a abraçar Lisboa.

Refrão…