domingo, janeiro 20, 2008

Blogantologia(s) II - (63): Dizem-nos que estamos a envelhecer

Lisboa > Tapada da Ajuda > Novembro de 2007

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



Poema para ser lido por velhos,
daqueles que já usam óculos com muitas dioptrias,
ou então essas horríveis lentes de aumentar
que se compram na Loja do Avô,
e que só servem para ler os títulos de caixa alta do jornal



Dizem-nos
que estamos a envelhecer.
Dizem os demógrafos,
que correm, eles próprios, o risco
de ver limitado o seu objecto de estudo
aos velhos.
Dizem as máscaras do Entrudo
do nosso descontentamento muito pouco chocalheiro.
Dizem os caretos de Ousilhão.
Dizem os últimos rapazes da Festa dos Rapazes.
Dizem os médicos,
que também estão a encanecer.
Diz o senhor Ministro da Indústria da Doença
que mandou encerrar a maternidade.
Por falta de fedelhos.
Tenham paciência, meus senhores e minhas senhores.
Dizem os hospitéis,
a abarrotar de gente na fila para morrer.
Dizem os sociólogos,
em crise de paradigma
existencial.
Dizem os jornais
que já não vendem mais.
Diz o meu geneticista,
que anda à procura do gene da eterna juventude.
Dizem os futurólogos
que lêem nas entrelinhas das camadas de ozono.
Diz a minha esteticista,
quando o verniz estala,
vão-se os anéis,
ficam os dedos.
Diz a vida, malsã.
Diz a palma da mão e a linha (torta) da vida.
Diz a pitonisa de Delfos,
a escarnecer
da cultura judaico-cristã.
Diz a comissária política de Bruxelas,
que não foi eleita,
muito menos pelos eurovelhos.
Diz o Eurostat,
que representa a sacrossanta ciência
do positivismo do século.
E até a Santa Madre Igreja
agora sem crianças para baptizar
nem selvagens para evangelizar.
Não sei o que diz Ela,
a Santa,
a Madre,
a Igreja.
Não sei o que é que diz Roma
nem Pavia,
que não se fizeram num dia.
Mas dizem as estatísticas,
que, dizem-nos, não mentem,
que estamos a embranquecer,
a encanecer,
a envelhecer,
a ensandecer.
A morrer, meus irmãos.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Diz o espelho meu,
que o tempo faz o seu trabalho de sapa.
Que o tempo, no final, te mata.
Como nos filmes de terror.
Que a vida te está a foder, meu.
Diz o sino da tua aldeia,
quando toca a finados.
Dizem as tuas rugas.
Dizem as tuas brancas,
as primeiras, não sei onde.
Dizem os teus dias cinzentos.
Só o Governo esconde
a bomba biológica
que paira sobre a cabeça
dos que hão-de vir.
Dizem-me que o Governo tropeça,
mas não cai
só por mentir,
com as medidas da tendências central.
a média, a moda e a mediana,
mais o desvio padrão
e o erro amostral.
Eu sei que o Governo está sujeito à erosão
dos ventos
e das marés,
mas também à irrisão mortal
das sondagens.
O Governo não deve mentir.
O Governo deve dizer a verdade,
com um grau de confiança de noventa e cinco por cento.
Mas nem sempre diz toda a verdade,
ou só a verdade,
por causa da coesão
social,
por causa do clima
económico,
por causa da confiança
psicológica
do investidor estrangeiro,
por causa da liberdade,
primordial,
do consumidor.
Dizem que estamos a envelhecer.
Dizem-te que há muito ultrapassaste a barreira dos quarenta.
Que aos 45 já eras velho,
para além do limiar da esperança ao nascer
quando nasceste.
Dizem-te que seremos velhos
em 2025.
Um em cada cinco.
Leia-se: velhos, mais de 65.
E que agora já começou a caça
aos talentos
aos rebentos,
na perspectiva da rarefacção dos recursos humanos.
Diz o nosso (e)terno guru.
Diz o provérbio que na era de 31, poucos moços, velhos nenhum.
Mas não é envelhecimento,
é senescência,
diz o meu neurologista.
Degenerescência,
dizem os puristas da língua.
Diz a neurociência:
o mais importante
não é perderes 100 mil neurónios
por dia,
nem a paciência, nem a compostura, nem o controlo
dos esfíncteres.
Nem a decência.
Deus te livre do Alzheimer e do Parkinson
e das demais doenças crónicas degenerativas.
O que é grave é perderes
as redes neuronais
e não sei que mais.
Dizem que estamos a envelhecer, Papi.
Porra,
meu velho,
o que a vida fez de ti!

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