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quarta-feira, maio 01, 2013

Oração fúnebre: Horácio Mateus (1950-2013)


Horácio,
querido amigo, 
grande lourinhanense, 
geálico nº 1… 

És o primeiro a partir,
nessa viagem solitária e sem retorno 
que todos teremos que fazer um dia. 
Só não sabemos quando nem em que lugar, 
só o velho barqueiro de Caronte 
é que tem a lista dos passageiros 
e os horários e os percursos da última viagem 
da terra dos vivos. 
Mas estamos tristes, 
infelizes, 
inconsolados, 
porque achamos que partiste cedo demais. 
Tinhas direito a realizar os teus sonhos. 
E alguns levaste-os contigo para sempre, 
sem os poderes partilhar connosco. 

Alguns desses sonhos realizaste-os
e deves ter orgulho neles; 
o grande amor da tua vida, 
a Isabel, 
os teus filhos, 
o Simão e o Octávio, 
que seguiram as tuas peugadas, 
a tua filha Marta,
o GEAL, o museu… 
Poucos são aqueles que são profetas 
na sua terra. 
Tu podes orgulhar-te de ter sido um deles. 
E um dia o Parque Jurássico 
pelo qual lutaste, 
há-de fazer jus 
ao teu nome, ao teu exemplo, à tua obra, à tua memória.

Sem a tua saudável loucura, 

tua, da Isabel, do Octávio, do Simão,
e de outros tantos geálicos, 

alguns presentes nesta hora 
em que viemos despedir-nos de ti, 
não haveria lugar a alguns dos sonhos bonitos 
que aconteceram na nossa terra, 
e que irão continuar a acontecer, 
sob a tua inspiração e proteção. 

Tu foste um exemplo de paixão pela vida, 

pela terra, 
pelos seres que o habitam ou habitaram, 
pelas artes e ofícios dos nossos antepassados, 
pelas pedras das suas casas, 
pelos muros dos seus caminhos, 
pelas árvores dos seus campos… 

Cultivaste a paixão
pela história, 
pela ciência, 
pela cultura, 
pelo património de todos nós. 

És também um exemplo de amor 

pela tua (e nossa) terra, Portugal e a Lourinhã, 
mesmo quando a tua terra 
nem sempre te compreendia, 
ou te reconhecia 
ou te amava, 
como devia, 
e como tu esperavas. 
Julgo que terá sido Fernando Pessoa a dizer 
que quando um português sonha, 
alto e bom som, 
há logo alguém que o acusa de estar 
fora de escala 
e de ser doido varrido...

Pois bem, tu tiveste o mérito
de nos desassossegar, 
desinquietar, 
e de  juntar alguns de nós, 
e pôr-nos a sonhar alto 
e a fazer coisas, 
com paixão, 
com inovação, 
com verdade, 
com rigor e credibilidade. 

E isso às vezes incomoda
os que se sentam na cadeira 
da inércia, da mediocridade, do comodismo, da inveja. 

Obrigado, Horácio,
pela tua saudável loucura, 
pela tua criatividade (muitas vezes imprevisível), 
pelo teu humor (às vezes inconveniente e corrosivo 
mas sempre inspirador), 
Obrigado pelas flores que soubeste cultivar 
no teu jardim do amor, da amizade e da convivialidade. 

Foste um homem bom,
um bom cristão 
como Cristo possivelmente gostaria 
que fosse um bom cristão, 
um ser humano que soube nesta terra 
praticar as obras de misericórdia 
que vêm no evangelho do teu homónino, 
São Mateus… 
Lembras-te ? Sete eram corporais: 
Remir os cativos e visitar os presos; 
curar os enfermos; 
cobrir os nus; 
dar de comer aos famintos; 
dar de beber a quem sede; 
dar de pousada aos pobres e aos peregrinos; 
e enterrar os mortos… 
Ou de dar um barco ao náufrago, 
como diz o livros dos mortos dos antigos egípcios… 

E as outras sete obras de misericórdia eram espirituais: 

ensinar os simples; 
dar bom conselho a quem o pede; 
castigar com caridade os que erram; 
consolar os tristes desconsolados; 
perdoar a quem nos errou; 
sofrer a injúrias com paciência; 
rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos. 

Na tua vida, tão rica e tão curta,
fizeste tudo isso, 
sem alarde,
sem pompa nem circunstância,
foste um homem misericordioso. 

Onde quer que estejas,
tens direito a estar em paz. 
Se existe o céu, será aí a tua morada. 
Nesta terra, 
que foi a tua terra da alegria, 
mas também às vezes uma das estações do inferno, 
serás sempre lembrado 
por aqueles que querem e podem honrar a tua memória. 

Quanto a nós,
vamos ter muitas saudades tuas. 
À boa maneira dos nossos antepassados romanos, 
dir-te-ei: Requiescat in pace. 

Descansa em paz, Horácio, 

Descansa finalmente em paz!

Lourinhã, Capela de Nossa Senhora dos Anjos, 30 de abril de 2013

terça-feira, maio 01, 2012

Blogantologia(s) II - (99): Poema para os dias tristes


Poema para os dias tristes
(Dedicado às mulheres que eu amo)

Às vezes não sabemos lidar
Com este mundo,
Sobretudo quando ele é claustrofóbico.
Às vezes temos de passar
A nossa temporada no inferno,
No mais fundo
Do ventre materno.
Ah! esta nossa terra,
Mãe e madrasta,
Madrinha de guerra,
Jocasta,
Que ora cuida de nós ora nos maltrata,
E a quem não conseguimos dizer Basta!

Não sabemos tirar a pedra,
A simples pedra,
Que serve de tampão ao nosso vulcão…
Todos temos um vulcão,
Nem que seja um vulcãozinho de estimação,
Um vulcão que é 70% de pura emoção,
Que é o puro delírio do poder
Ou do simples poder da imaginação!...
Antes fosse só poesia,
Implosão de alegria,
Poesia do delírio!...
Os outros 30% são
Cocktail de sangue, suor e lágrimas.

Mas é aqui que tu e eu vivemos
E respiramos,
Mesmo que mal,
E é aqui que sonhamos,
E nos enamoramos,
E aos sábados e domingos rezamos
Aos deuses que nos outros dias da semana criamos.

É aqui que eu  tiro a conclusão
Que sou livre  mas mortal.
É aqui (que eu sei) que vou  morrer,
Ponto final!
Digo que vou morrer, meu amor…
Mas o que é morrer ?
Sei lá, é o fim da espiral,
O cabo finisterra,
O colapso dos meridianos,
A cama terminal do hospital.
Sei que vou morrer
Pela simples lei das probabilidades:
Tudo o que vive, morre,
Tudo o que vai morrer, já viveu.
E eu vivo, logo morro!
Nada mais cartesiano…
Só não sei a hora, o dia, o mês e o ano!

Receio bem, querida,
Que não tenhamos alternativa,
Podemos mesmo achar
Que é injusto ou até indecente
Não haver uma 3ª via
Entre o viver e o morrer.
Pena que a vida
Seja o que é,
De sentido único,
Do berço à cova.
Pena que não seja como o serviço de buffet
Do restaurante,
Para ao menos se poder escolher
Entre o frio e o quente!
Oxalá o amor, meu amor, fosse eterno!
Ou oxalá fosse eterna a doce ilusão do amor!

Estou agora parado,
Feito pateta,
No entroncamento do planeta,
Num comboio fantasma,
Sentado no lugar do morto
Que não vejo,
E que foi vítima de um qualquer miasma.
Ah! Como eu invejo
Os otimistas profissionais,
Os arquitetos do futuro,
Os céticos,
Os agnósticos,
Os chacais,
Os místicos,
Os letrados,
Os prognósticos
(mesmo que reservados),
Os tristes,
Os bem aventurados,
Os altruístas,
Os mente…capos,
Os amigos da humanidade,
Todos aqueles,
Que vão pondo andaimes
Nos cumes do nada.

A verdade
É que às vezes não sei
Onde pôr os pontos nos ii
Nem os pontos de reticência
Na  Sua Excelência!
Ou até, pasme-se!, a pomba da paz
Na alto do quico do general,
Que é o palhaço de serviço ao circo global!
Mas isso tanto faz:
Nem sequer sei pôr,
Como manda a boa ortografia,
O simples ponto
De interrogação (ou de exclamação ?)
Na eternidade.
Ou o  simples dedo…
No cu do medo!

Lisboa, 14/2/2012

segunda-feira, março 19, 2012

Blogantologia(s) II - (98): Meu pai, meu velho, meu camarada

Para todos os pais,
Os nossos pais,
Que vivem com a dignidade possível
na solidão instuticionalizada dos terminais da morte


Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que estás achegar ao fim,
Sinto que estás a desistir,
Sinto que estás com poucas ganas de lutar
Contra o inexorável fim…

É com um aperto no coração
Que te vejo aí deitado no teu cadeirão articulado,
Do Lar da Senhora da Guia, 
Na Atalaia da Lourinhã,
Com as velhas canadianas definitivamente arrumadas a um canto…
Onde está o teu proverbial sentido de humor,
Quando brincavas com as tuas canadianas,
Dizendo que tinhas trocada uma velha por duas novas ?!…
Onde está o teu gosto pela anedota,
O verso, o improviso, o dito sempre apropriado
Para cada conversa, para cada ocasião ?

Meu pai, meu velho, meu camarada…
Sinto que está agora mais difícil, para ti,
Prosseguir a viagem…
Já não queria que fosses até ao km 100,
Da autoestrada da vida,
Queria que chegasses ao menos até ao km 92,
Devagarinho, sem dores,
No dia 18 do próximo mês de Agosto…

Se calhar estou a ser egoísta,
E a subestimar ou menosprezar os teus avisos:
“Isto tá bera, Lis Manel”
(É assim que me tratas, sempre me trataste, 
por Lis Manel).
Claro que eu vou brincando contigo,
Desafiando-te para ires ver o mar,
Não o mar azul do Mindelo,
o mar do Porto Grande e o ilhéu dos Pássaros,
Mas o das Berlengas,
Limpar a vista, tu dizes,
E tomares o café com o cheirinho,
No bar dos Cinco Paus,
Mostrando-te a amarelinha em balão:
“Tome (nunca te tratei por tu)
que no céu não há disto!”

O que te prende à vida, meu velho ?
A tua velha companheira, muda e queda,
Ainda a teu lado ?
Os teus filhos, netos e bisnetos,
Que já são tantos que dão Para fazer duas equipas de futebol ?
Já não queres ver os teus amigos
Do banco do jardim,
Do Largo da Igreja,
Já não te interessas pelos resultados do teu Benfica,
Já deixaste de escrever o teu diário,
Já não lês a Bola,
Já não ouves o relato da bola,
Já não vais à bola ao domingo, com o Mário,
Nem gritas aos jogadores do Lourinhanense:
“Quem ganha é quem corre,
Quem ganha é quem corre!”
Já não corres, meu pai,
Já correste tudo o que tinhas a correr
Pela vida fora, na labuta da vida…
Mas ainda continuas a ganhar, meu velho,
A marcar pontos, meu camarada…
Os do exemplo de bondade,
Humanidade,
Coragem,
E sabedoria…

Um bom dia do pai,
No dia do pai,
Para ti
Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada!

Alfragide, 19 de Março de 2012

sexta-feira, agosto 26, 2011

Blogantologia(s) II - (95): Na festa dos mortos, o olvido dos combatentes...

Na festa dos mortos, o olvido dos combatentes…
por Luís Graça

O cemitério enche-se de flores,
ostensivamente;
é um jardim de mármore e granito,
com centenas de velas acesas
que à noite se transformam em fogos fátuos.
Durante toda a tarde as famílias da freguesia
visitam as campas e os jazigos dos seus mortos
e convivem, ruidosamente, umas com as outras.

É a festa dos mortos,
mas também a celebração da vida,
a afirmação da convivialidade,
a reafirmação do poder da vida sobre a morte,
o reforço dos laços dos vivos,
que são vizinhos uns dos outros,
familiares, parentes, amigos,
e que também estão na lista dos candidatos ao além.
Não sabem, porém, quando
nem em que lugar,
nem como nem porquê…
E mais: recusam-se a marcar a passagem…
Só o velho barqueiro de Caronte
é que tem a lista dos passageiros
e os horários
e os percursos da última viagem
da terra dos vivos.

É também quiçá a recusa da morte,
da partida definitiva,
do fim da peregrinação terrena,
a reivindicação da imortalidade,
o pecado da usurpação do poder divino,
é, enfim, a manifestação da culpa por se estar vivo
em lugar daqueles de nós,
que nos eram muito queridos,
e se calhar muito melhores do que nós,
e que morreram (ou partiram) injustamente, antes de nós...

Quem vive mais longe (Porto, Lisboa...),
vem de propósito neste dia
enfeitar as campas e os jazigos dos seus mortos,
aqui erigidos neste cemitério.
Terra de antigos rendeiros, camponeses pobres,
que ainda hoje cultivam a memória do Zé do Telhado,
e que fazem questão de mostrar,
aos ricos
e aos fidalgos de antigamente,
que a democracia e a liberdade trouxeram também
a igualdade de oportunidades
e a miragem da mobilidade social,
tipificada nas figuras do brasileiro e do francês do século passado...

No meio do pequeno cemitério da freguesia
há ostensivamente uma capela,
a da família da ilustre casa
que foi desde os tempos do liberalismo,
a verdadeira dona
e senhora desta terra
e dos seus habitantes,
donos dos seus corpos e até das suas almas...
No cimo da porta da capela,
em estilo revivalista, neogótico,
pode ler-se a frase niilista,
em poético latim,
Memento homo,
quia pulvis es,
et in pulverem reverteris.
Como os antigos pobres rendeiros não sabiam ler,
e muito menos o latim dos frades absolutistas
e dos juristas liberais,
alguém terá escrito a giz:
Lembra-te, ó homem,
que és pó
e em pó te hás-de tornar...

Mesmo na morte,
os homens tentam,
patética e inutilmente,
bizantinamente,
reproduzir a segregação socioespacial,
a distância,
que mantinham em vida...
É por isso que eu gosto da designação, irónica,
dada a alguns cemitérios públicos no sul,
no Alentejo:
Campo da igualdade...
Metaforicamente falando,
a gadanha da morte ceifa tudo e todos,
ceifa rente a vida,
e não poupa tanto a espiga de trigo
como a erva do campo,
a papoila vermelho e a abetarda,
a mondadeira e o patrão,
a rosa e o espinho,
o rico e o pobre,
o herói e o cobarde,
a bonita e a feia,
o novo e o velho,
o amo e o servo,
o general e o soldado,
o poeta e a sua musa,
o médico e o doente,
o santo e o pecador,
o herói e o cobarde,
o amigo e o inimigo...

Passei por lá,
pelos cemitérios de Paredes de Viadores e de Paços de Gaiolo,
e havia gente à volta das campas,
de todas as campas,
menos de duas...
Tirei fotografias aos grandes,
vistosos
e dispendiosos arranjos florais,
sobre as pedras de mármore ou granito polido,
que devem ter custado os olhos da cara aos parentes dos mortos...
Fotografei grupos de familiares e amigos
em amena
(e aqui e acolá alegre, viva, franca, saudável) cavaqueira.
Percebi que a homenagem aos nossos mortos
é também (e sobretudo ?)
um pretexto
para os vivos se mostrarem uns aos outros...
E para dizerem alto e bom som
que estão vivos,
e de boa saúde,
e que estão prósperos,
bem de vida,
com os seus Mercedes de matrícula K,
com as análises em dia,
e o certificado de robustez física, 
passado pela alta autoridade de saúde,
com o corpo e todas as miudezas
dentro do prazo de validade.
Em suma, estão vivos, sãos, e recomendam-se...
Mas que também têm sentimentos,
não importa se pequenos ou grandes.
E que sabem mostrar que têm decência
e recato
e memória
e saudade...
E que sabem chorar, sinceramente, os seus mortos.
Muito simplesmente são ou parecem ser
gente feliz,
com uma lágrima furtiva ao canto do olho.
Em dia de festa dos mortos.
Ou melhor, em Dia (feriado) de Todos os Santos
que é também, para o povo, o Dia de Finados.

No sul, da Reconquista, de onde eu venho,
e a que eu pertenço,
mix de bárbaro, romano, mouro, judeu, franco, africano,
também há o culto antiquíssimo, pagão,
dos mortos...
Mas aqui, no norte, o cristianismo
(e a Igreja Católica Apostólica Romana)
soube quiçá enquadrá-lo melhor,
dar-lhe a necessária dimensão 
gregária, 
simbólica, 
normalizadora...

Por todo o país, no Portugal profundo
(ou no que resta desse mito),
os mortos são lembrados no seu dia,
e no seu sítio,
convenientemente apartados dos vivos.
All souls' day, diz-se em inglês.
O dia das alminhas (que ternura de termo!),
como diz o nosso povo.
Leio na Enciclopédia Católica
(cuja origem remonta a 1917):
A fundamentação teológica desta festa
é a doutrina segundo a qual
as almas que, ao partirem do corpo,
não estejam perfeitamente limpas dos pecados veniais,
ou não tenham totalmente expiado as suas transgressões passadas,
ficam privadas da Visão Celeste.
No entanto, os fiéis sobre a terra podem ajudá-los,
por intermédio de orações,
esmolas
e sobretudo do santo sacrifício da Missa.

Não sei, contudo, qual é o entendimento da Igreja Católica
em relação aos seus membros
que morrem em combate...
No passado, nas Cruzadas,
ou dilatando a fé e o império, ao serviço do rei,
mais tarde pela Pátria, conceito burguês.
Pode ser-se herói e herói da Pátria
e mesmo assim não se estar na lista dos eleitos...
Pode ter-se morrido pela Pátria e mesmo assim
esse sacrifício ter sido perfeitamente inútil...
Ou no mínimo, branqueado,
ignorado,
esquecido,
ocultado
ou até mesmo denegado.
Pode-se ter morrido pela Pátria, Mátria ou Fátria
(morre-se pelo pai, pela mãe, pelo irmão),
em Angola, Guiné ou Moçambique,
e mesmo assim ser-se completamente olvidado
(que é o pior dos abandonos)
nos nossos cemitérios,
no dia da festa dos mortos...

Para onde irão as almas dos combatentes ?
Quase sempre, muitas vezes,
em toda a parte,
para o limbo,
o purgatório do olvido,
que é esquecimento mas também adormecimento.
Como em Paços de Gaiolo,
do antiquíssimo concelho, já extinto,
de Bem Viver,
ou em tantas outras freguesias
do nosso querido Portugal profundo,
que já foi medievo, mouro, visigótico, romano, celta...
Como estas duas campas, rasas, de dois bravos
que deram a vida aos vinte anos, no ultramar português,
Joaquim Araújo, Francisco Soares…
por alguém, por alguma coisa
A que eles chamavam Pátria…
Morto pela Pátria…
Eterna saudade de mãe e irmãos

De facto, a guerra do ultramar nunca existiu.
Os mortos do Ultramar nunca existiram.
Há uma amnésia geral
em relação aos nossos mortos do Ultramar,
uma espécie de denegação,
de branqueamento,
de alívio...
Por que o fim daquela guerra
foi literalmente o fim de um pesadelo...
Para os jovens da minha geração.
E é bom que os jovens de hoje saibam isso,
que havia então o serviço militar obrigatório
e que era altíssima a probabilidade de se ser mobilizado
para uma das três frentes de guerra,
ou teatro de operações,
que Portugal mantinha em África...

Hoje há pudor em falar desta guerra,
de baixa intensidade
mas que consumia vidas e cabedais.
Da guerra e dos seus mortos,
dos trasladados e dos insepultos,
dos seus desaparecidos,
estropiados,
tresloucados,
dos seus mortos-vivos,
dos que vagueiam, ainda hoje, como fantasmas
pelas margens dos Rios Geba, Corubal, Mansoa,
Cacheu, Buba, Cumbijã, Cacine,
na Guiné,
ou nos rios de Angola e de Moçambique
cujos nomes os poetas, os bandeirantes e os geógrafos 
já esqueceram...

Se calhar a amnésia é recíproca:
de nós, felizardos, que estamos vivos,
em relação a eles que tiveram o supremo azar de morrer
(em combate, acidente ou doença);
e se calhar deles em relação a nós,
já que não mais nos visitam,
nem nos assombram,
nem nos incomodam,
nem nos apavoram
nem nos interpelam ou questionam...

No dia dos Fiéis Defuntos,
na festa dos mortos
os que morreram de morte matada
no campo de batalha,
na África remota, distante, dos séculos passados
não têm uma menção especial,
na antiga vila e freguesia da germânica Fandinhães
(substituída do tempo do Marquês de Pombal
por Paços de Gaiolo),
uma atenção especial,
um arranjo floral,
nem sequer umas simples flores de plástico...
Mas será que deveriam tê-lo ?


Quinta de Candoz, Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses.
2 de Novembro de 2008. Revisto em 23 de Agosto de 2011
______________

quinta-feira, abril 28, 2011

Blogantologia(s) II - (93): Elegia para um paisano





Elegia para um paisano (*)

por Luís Graça [ foto acima, no "oásis de paz" de Contuboel, Centro de Instrução Militar, Junho de 1969]

(À memória de A…, meu camarada
da CCAÇ 12, Guiné, 1969/71…
e dos demais camaradas, desconhecidos
que morreram,
de morte violenta,
já como paisanos,
por homicídio, por suicídio, por acidente)



Disseram-me que tinhas morrido,
Meu infortunado camarada,
Já muito depois do nosso regresso a casa.
Talvez nos finais dos anos 70
Do século passado,
Não posso precisar.
Morrido, lerpado,
Para usar o nosso vocabulário,
Bruto e feio.
Lerpado, assim, sem mais nada,
Sem uma palavra,
Sem uma despedida,
Sem uma oração,
Talvez até sem um ui nem um ai,
Sem um grito.
Sem aviso prévio,
Nem sequer um cheque-mate!
Morrido, de morte matada!
Morrido, como um cão.
De um tiro na nuca.
Como os cães que abatemos,
Um noite, em Bambadinca,
A Noite das Facas Longas,
Lembras-te?!

Disseram-me que tinhas sido encontrado,
Longe da nossa Guiné,
Dessa terra verde e vermelha que tu amavas,
Longe da tua Sinchã Mamadjai,
E da morança da tua bela Fatumatá,
De mama firme,
Que se escapulia para a tua morança,
Nas noites, de lua cheia,
Em que uivava a hiena…
Longe do tarrafo do Geba,
Do Mato Cão,
Dos Nhabijões,
Da Missão do Sono,
Da Ponte do Udunduma,
Da orla da bolanha,
Do poilão,
Do bagabaga…
Onde ?
Longe dos teus verdes anos,
Longe do arco-íris do teu céu de menino.
Perto do teu Tejo,
Numa valeta da rua
Da tua cidade…
Ou de qualquer subúrbio triste e cinzento
De cidade nenhuma.

Que morte tão crua,
A ser verdade,
Oxalá fosse boato a notícia de fait-divers
Que alguém leu no jornal.
A notícia de uma morte
Em que eu não te (re)vejo.
Oxalá, meu camarada,
Tenhas simplesmente desaparecido,
Emigrado,
Sido sequestrado,
Mudado de código postal
Ou até de identidade,
Sempre era menos mal.
E poupavas-me o teu elogio fúnebre,
Que é a pior das missões
Que se pode pedir a um camarada de armas.
Disseram-me
(Mas eu não quis crer)
Que tinhas sido morto,
Sem honra nem glória,
Depois de cumprido o teu dever
Para com a Pátria
Que te foi madastra,
Cruel Jocasta.
Já depois da última nau da Índia ter naufragado
No mar da Palha da tua infância!
Já muito depois
Dos últimos guerreiros do império,
Terem feito o espólio de todas as guerras
E o relatório da sua errância
Desde Quinhentos.

No século passado, meu amigo!...
No século passado, meu irmão!...
Lembro-me do velho Uíge,
Da velha Companhia Colonial
De Navegação,
Nos ter devolvido a terra,
À nossa cidade e capital,
Nas praias de Alcântara,
No cais da saudade,
No cais de pedra
Donde partíramos,
Quase às escondidas,
Vindos do comboio nocturno e soturno
De Santa Margarida.

Não sei quem te esperava
Nesse dia 22 de Março de 1971,
Mas seguramente os mesmos entes queridos
Que me esperavam a mim,
A todos nós,
Que ali, no cais, passávamos à condição
De paisanos.
Vestidas as calças à boca de sino,
E as camisas às florinhas,
Regressávamos ao doce lar,
Com as bugigangas compradas no Taufik Saad
ou na Casa Gouveia,
E à rotina das nossas vidas,
Insignificantes.
E a uma outra guerra,
A da lufa lufa do quotidiano.
Tu tinhas um lar,
Todos tínhamos um lar,
Uma família, alguns um emprego,
Muitos uma namorada ou noiva à sua espera…

Mas eu o que sabia de ti ?
O que sabíamos uns dos outros ?
E dos nossos sonhos ?
Muito pouco, afinal…
Casaste ?
Tiveste filhos ?
Não tiveste tempo de ser bom filho,
Nem bom pai,
Muito muito menos avô…

Nunca mais voltei a rever-te,
Em todos estes anos,
Em que tantas coisas aconteceram,
Para o pior e o melhor,
Na nossa Pátria,
Uma palavra, repara,
Que saiu do léxico dos tugas,
E já não se usa mais…

A imagem mais forte, não a última,
Que retenho de ti,
É a do menino e moço
Que saiu, fardado, garboso,
Da casa de seu pai e sua mãe…
É a do puto reguila,
Quiçá rebelde,
Temperamental,
Belicoso mas generoso,
Da margem sul do Tejo.
Com jeito para o desenfianço,
O desenrascanço,
Que a vida era dura para os homens
Da CCAÇ 12,
Brancos e pretos.

Retenho ainda a imagem
Do nosso patético duelo
No bar de sargentos de Bambadinca,
Tendo por arma, letal,
Uma garrafa de VAT 69
(Ou era Jonhnie Walker ?
Ou White Horse,
a tal do cavalinho branco ?
Já não me lembro do rótulo,
Sei apenas que era scotch,
E do bom,
Daquele que vinha
From Scotland
For the Portuguese Armed Forces
With love
!)…

Um duelo de morte,
Gole a gole,
Até ao gole final,
Em menos de 15 minutos!...
Com árbitro e tudo,
Apostas a dinheiro,
Mirones e claques de apoio,
Como mandavam as regras
Dos apanhados do clima de Bambadinca!

Apanhados do clima, dizes bem,
Exaustos,
Usados e abusados,
Filhos de um Sísifo menor,
Condenados ao mais insano dos suplícios,
Uma guerra a que chamavam
De contra-guerrilha,
Uma guerra do gato e do rato…
Não, não, era a roleta russa,
Ninguém tinha pistolas de tambor,
Era o fado lusitano,
Era o fado da Guiné,
Meu camarada, meu amigo, meu irmão,
Era a nossa triste condição,
Era a nossa quiçá estúpida, mas viril, maneira
De matar… o tempo,
O tempo em tempo de guerra,
O tempo de espera entre uma e outra operação.
O tempo de espera que podia ser
Entre a vida e a morte.
Era a insanidade mental,
Era a raiva, traiçoeira,
Era a lucidez da loucura a tomar conta
De nós….

Foi esse fado que te matou,
Essa maldita, tóxica, adrenalina,
Que trouxeste do Geba e do Corubal.
E que te impedia de parar para pensar,
Simplesmente parar,
Simplesmente pensar,
Simplesmente viver,
Simplesmente respirar
À tona de água.


Meu irmão.
Meu camarada.
Meu amigo.
Foi o sobressalto da vida.
Foi a vida em sobressalto.
Foi a vida em saldo.
Foi a alma em dor.
Foi isso que te matou.
No pós-guerra.
Na guerra dos paisanos.
Foi isso, foi a Guiné que te matou.
Ao retardador.
Ou não ?!

Sexta-feira Santa, Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, 22/4/2011

Originalmente publicado no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: Vd.poste de 23 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8157 Blogpoesia (146): Elegia para um paisano (Luís Graça)

  

segunda-feira, agosto 23, 2010

Blogantologia(s) II - (86): Na antiga picada do Xime - Ponta do Inglês





Na antiga picada do Xime-Ponta do Inglês
por Luís Graça (*)

Não havia nada
Na antiga estrada
Do Xime-Ponta do Inglês,
Ligando o Geba ao Corubal.

Não havia nada naquele lugar
Que era de tormento,
Àquela hora mortal
Da madrugada.
Nada, onde um homem
Pudesse afogar a sua fome,
Matar a sua sede,
Aliviar o seu sofrimento.

Nem sequer um banco de pedra
Como aquele em que agora me sento,
Frente ao Tejo,
Fresco, límpido, matinal,
E onde alguém escreveu,
Em letra garrafal:
“Amo-te, Marta,
És a razão do meu viver”.

Hoje estou à beira Tejo
E não vou a caminho da Foz do Corubal.
O Tejo corre para o Atlântico,
E o Corubal para o Geba.
Em Lisboa tenho o azul do céu,
Que, dizem, é o azul mais puro do mundo.
No Geba, tenho uma G3,
Tarrafo, lodo, merda,
Dois cantis vazios,
Um céu de bronze,
E mil e uma razões para (sobre)viver.

Nem poderia haver
Nenhum banco de pedra,
Nem nenhum jardim,
Nem nenhuma Marta
À minha espera.
Nem muito menos nenhuma Marta
Que fosse a minha razão de viver.

Quando muito, um fantasma,
Surgido do cacimbo matinal,
Por detrás do baga-baga,
Armado de Kalash!

Não tinha, de resto, razão de viver,
Raison d’être, diria a minha copine,
Se eu fosse refractário,
E tivesse dado o salto para França.

Não tinha nenhuma razão de viver,
Nem de morrer,
Nem de matar,
Não tinha sequer nenhuma razão
Para estar ali, àquela hora.

Não havia nada
Na antiga picada abandonada
Do Xime-Ponta do Inglês.
Nem um pub irlandês
Com a ruiva Guiness
A piscar-te olho,
A ti, herói português,
Com um improvável genoma celta.
Nem uma tasca afadistada
Da tua saudosa Lisboa,
Com a perna da morena,
Esbelta,
Lânguida,
A faca na liga,
Deixando antever
Os doces mistérios da sua floresta-galeria.

Não, não havia nada,
Nem uma decrépita gasolineira
Dos filmes do Faraoeste da minha infância,
Onde abastecer a tua Daimler,
Salta pocinhas, minas e armadilhas,
Em que ias de Bambadinca ao Xime
Simplesmente para beber uma cerveja,
Sem escolta nem picagem,
Num jogo de roleta russa.

Nem muito menos a Marta-Mátria,
Republicana e laica,
Verde e rubra,
De busto farto,
De peito feito às balas,
Dando a volta à cabeça dos rapazes,
Dando-lhes tusa,
Na Feira Grande de Setembro:
- Vai mais um tirinho, ó freguês!

Não, não havia nada,
Nem sequer uma simples mulher,
Uma fêmea de bunda larga,
Ou até uma simples mulher polícia sinaleira,
Cata-ventos,
Bailarina,
Redondinha,
Assexuada,
De pelo na venta
E apito na boca,
No cruzamento dos quatro caminhos.

Não, já não vou de G3 em punho,
Em defesa da honra das donzelas
Da minha Pátria.
Chamem-se elas Marta ou Mátria.
Não, já não vou, cego, surdo e mudo,
A correr,
Disposto a morrer,
Com ganas de gritar Pátria ou Morte!,
Na velha picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês
Onde não havia nada.
Nem ao menos um tosco espanta-pardais,
Especado no meio do capim,
Em vez do campo de mancarra do fula,
Ou do teu jardim,
Do Éden,
Ou até uma simples seta,
De pau,
A apontar-te a direcção do inferno,
A maldição bíblica do pecado,
Omnipresente,
Obsessivamente eterno.

Havia apenas,
No fim da picada, o inferno.
À minha espera,
À nossa espera.
Às 8h50 da manhã
Do dia 26 de Novembro
De mil novecentos e setenta.
Da era de Cristo.
E Conacri ali tão perto!

O caminho mais curto para o inferno ?
Não o vês ?
A picada, abandonada, do Xime-Ponta do Inglês,
Onde Cristo seguramente nunca parou
Nem amou
Nem penou
Nem sofreu
Nem pecou,
Nem rezou.

O teu Cristo etnocêntrico,
Judeu,
Semita,
Que nem sequer era caucasiano,
E nem muito menos sonhava onde era a Senegâmbia
Nem o Império do Mal(i).

Pensar global,
Sonhar alto,
Agir local,
Meu sacana
Ou melhor ainda:
Não pensar,
Muito menos sonhar,
Tiro instintivo, a varrer o capim.

Eis a ordem do capitão
Que tem acima o major,
Na sua avioneta,
No seu PCV,
E no topo o general,
O Com-Chefe,
O Caco Baldé,
O Homem Grande de Bissau,
Herr Spínola, para mim,

E à frente de todos,
Com o seu inseparável cachimbo,
O Seco Camará,
Seco de carnes,
Velho e valoroso guia das NT,
Pau para toda a obra,
Cão de fila,
Mandinga do Xime,
Herói da minha galeria de heróis,
Verdadeiro líder, etimologicamente falando,
Aquele que vai à frente mostrando o caminho.

Nesta guerra de baixa intensidade,
Não dês vazão ao Tratado das Paixões da Alma.
E por favor poupe, senhor,
As munições.
Da NATO.
Dizem que a glória te espera”,
Escreveu um serial killer,
Roqueteiro,
Com fama de fazer saltar cabeças a 50 metros,
Ao longo da alameda dos bissilões.
“Vai para casa, tuga,
Que a tua namorada põe-te os cornos”

Não, não havia nada
Naquela picada, abandonada,
Do Xime-Ponta do Inglês.

Lourinhã, 19 de Agosto de 2010

(*) Originalmente publicado em Luís Graça & Camaradas da Guiné, em homenagem a Luís Henriques e Armando Lopes que fizeram 90 anos em Agosto de 2010. Revisto nesta data.

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segunda-feira, julho 05, 2010

Blogantologia(s) II - (85): Elegia fúnebre para um amigo

Elegia fúnebre para um amigo

Querido Nelson

Hoje, em pleno Outono,
O barqueiro de Caronte
Levou-te para a outra margem
Desse rio que nos separa.

É sempre triste
A despedida,
A separação,
Mesmo quando anunciada.
Mas um dia,
De um qualquer dia das Quatro Estações,
Todos tomaremos lugar
Nesse barco do barqueiro de Caronte.

Alguns dirão: É o fim, é o nada.
Mas, não, mesmo para quem não é crente,
Para mim que não sou crente,
Não é uma miragem,
Do lado de cá,
Continuaremos a ver-te
A jogar o teu golfe,
E a seduzir,
Com o teu olhar azul,
Com a tua voz de comando,
Com a tua presença luminosa,
Os que te conheceram,
E tiveram o privilégio
De lidar contigo.
A começar pelas tuas mulheres,
Que te amaram,
E que tu amaste.

E aqui deixa-me
Destacar a Ana,
A tua Ana,
A nossa Ana,
Discreta, mas magnânima,
Aparentando a fortaleza do rochedo,
A Ana
Cujo amor e coragem
São uma referência
Para todos nós,
Seus amigos.
Se há um lugar
Para os humanos
No condomínio de luxo dos deuses,
Lá no Olimpo,
Ela já ganhou esse direito,
Quando também chegar a hora
Da sua partida
No barco de Caronte.

Haveremos então, todos juntos,
De reatar as conversas
Que a tua doença interrompeu.
Não fiques triste, amigo,
Por ires à frente de todos nós.
A tua vida iluminou-nos
E a tua nobreza na adversidade
Engrandeceu-nos,
A todos nós,
Teus amigos.
Temos muito orgulho em ti.

E, no entanto,
Quantos projectos não ficaram
Por concretizar,
Meu amigo!
E se tu tinhas ganas
De viver,
De vivê-los,
Com o teu filho Pedro,
Com os outros filhos que adoptaste,
Com os teus netos,
Com a tua Ana,
Com os teus amigos!

Guardaremos connosco
As melhores recordações
Do melhor de ti,
Tu que foste um homem inteligente
E bom
E generoso
E amigo do seu amigo!
Mesmo quando o teu mar ficava bravo…

Quem fica do lado de cá,
Separado por um rio intransponível,
Fica sempre desolado
Pela perda irreparável
Que é a morte,
A tua morte,
A qual é também a nossa futura morte.

Quem fica do lado de cá,
Como nós,
Fica a dizer-te adeus,
Numa despedida
Que é sempre breve,
Porém dolorosa,
Tingida já da doce e triste saudade,
Que dizem ser tão típica dos portugueses.
Os teus amigos de Alfragide
E de todos os lugares do mundo
Onde foste feliz,
Ficam no cais de Lisboa a dizer-te a adeus,
Convencidos que partiste apenas
Para outra cidade
Noutro continente.

Leva contigo estas últimas palavras
Dos teus amigos,
Que elas te ajudem a atravessar o Caronte,
A fazer boa viagem.

De regresso a casa,
Vamos ajudar a tua Ana,
A suportar um pouco melhor,
A tua partida.
A dulcificar as lágrimas de sal.
A fazer o luto.
A construir a ponte sobre o Rio de Caronte.
É por isso que aqui estamos,
É para isso que servem os amigos.
Os de Santarém,
Os de Angola,
Os do Ministério da Agricultura,
Os do Golfe,
Os de Alfragide.

Alice/Luís

Cemitério do Alto de São,
Hall do crematório,
22 de Novembro de 2008