segunda-feira, julho 05, 2010

Blogantologia(s) II - (85): Elegia fúnebre para um amigo

Elegia fúnebre para um amigo

Querido Nelson

Hoje, em pleno Outono,
O barqueiro de Caronte
Levou-te para a outra margem
Desse rio que nos separa.

É sempre triste
A despedida,
A separação,
Mesmo quando anunciada.
Mas um dia,
De um qualquer dia das Quatro Estações,
Todos tomaremos lugar
Nesse barco do barqueiro de Caronte.

Alguns dirão: É o fim, é o nada.
Mas, não, mesmo para quem não é crente,
Para mim que não sou crente,
Não é uma miragem,
Do lado de cá,
Continuaremos a ver-te
A jogar o teu golfe,
E a seduzir,
Com o teu olhar azul,
Com a tua voz de comando,
Com a tua presença luminosa,
Os que te conheceram,
E tiveram o privilégio
De lidar contigo.
A começar pelas tuas mulheres,
Que te amaram,
E que tu amaste.

E aqui deixa-me
Destacar a Ana,
A tua Ana,
A nossa Ana,
Discreta, mas magnânima,
Aparentando a fortaleza do rochedo,
A Ana
Cujo amor e coragem
São uma referência
Para todos nós,
Seus amigos.
Se há um lugar
Para os humanos
No condomínio de luxo dos deuses,
Lá no Olimpo,
Ela já ganhou esse direito,
Quando também chegar a hora
Da sua partida
No barco de Caronte.

Haveremos então, todos juntos,
De reatar as conversas
Que a tua doença interrompeu.
Não fiques triste, amigo,
Por ires à frente de todos nós.
A tua vida iluminou-nos
E a tua nobreza na adversidade
Engrandeceu-nos,
A todos nós,
Teus amigos.
Temos muito orgulho em ti.

E, no entanto,
Quantos projectos não ficaram
Por concretizar,
Meu amigo!
E se tu tinhas ganas
De viver,
De vivê-los,
Com o teu filho Pedro,
Com os outros filhos que adoptaste,
Com os teus netos,
Com a tua Ana,
Com os teus amigos!

Guardaremos connosco
As melhores recordações
Do melhor de ti,
Tu que foste um homem inteligente
E bom
E generoso
E amigo do seu amigo!
Mesmo quando o teu mar ficava bravo…

Quem fica do lado de cá,
Separado por um rio intransponível,
Fica sempre desolado
Pela perda irreparável
Que é a morte,
A tua morte,
A qual é também a nossa futura morte.

Quem fica do lado de cá,
Como nós,
Fica a dizer-te adeus,
Numa despedida
Que é sempre breve,
Porém dolorosa,
Tingida já da doce e triste saudade,
Que dizem ser tão típica dos portugueses.
Os teus amigos de Alfragide
E de todos os lugares do mundo
Onde foste feliz,
Ficam no cais de Lisboa a dizer-te a adeus,
Convencidos que partiste apenas
Para outra cidade
Noutro continente.

Leva contigo estas últimas palavras
Dos teus amigos,
Que elas te ajudem a atravessar o Caronte,
A fazer boa viagem.

De regresso a casa,
Vamos ajudar a tua Ana,
A suportar um pouco melhor,
A tua partida.
A dulcificar as lágrimas de sal.
A fazer o luto.
A construir a ponte sobre o Rio de Caronte.
É por isso que aqui estamos,
É para isso que servem os amigos.
Os de Santarém,
Os de Angola,
Os do Ministério da Agricultura,
Os do Golfe,
Os de Alfragide.

Alice/Luís

Cemitério do Alto de São,
Hall do crematório,
22 de Novembro de 2008