quarta-feira, outubro 10, 2007

Blogantologia(s) II - (57): Cais de partida(s)

Cais de partida(s)

Sempre detestei os cais
de partida,
as estações ferrovárias,
os terminais de autocarro,
onde há gente vulgar
com lágrima fácil ao canto do olho
e pombos debicando restos de comida.

São sombrios e tristes os ares
das gares
como é sombrio e triste qualquer lugar
onde se parte
e reparte
e há sempre alguém que fica
com a melhor parte.

Campo Grande,
Rossio,
Santa Apolónia,
Sete Rios
Cais de Alcântara…
Quem parte está a mais
e não conta na cidade
e só quem parte
leva saudade.

Eu sei que tudo isto é à nossa escala,
liliputiana,
e que noutros sítios
há uma verdadeira tragédia humana
a correr, sem testemunhas.
Que Lisboa não é, ainda,
uma megacidade da quarta economia do crime,
nem pertence a um narco-Estado.

Mas o drama da angolana,
com a sua pequena mala,
que quer ir para Freixo de Espada à Cinta
à procura do velho pai
que não conhece,
não pode deixar-me indiferente.
Nem o caso do nordestino brasileiro
que em Sete Rios julga ter entrada no paraíso.
Nem tão pouco do romeno
que reboca o meu carro
e que me contou a história, fantástica,
da avó e dos seus filhos,
fugidos dos nazis
e alimentando-se, meses e meses a fio,
nos Cárpatos,
do leite da única vaca que escapou à orgia da cruz suástica…

Resta-me a grande nostalgia dos comboios
que nunca tive,
nem em brinquedos,
e que nunca sabotei,
porque nunca fiz parte da resistência,
e onde que nunca viajei
pela simples razão
de nem sequer passarem à minha porta.

Menino e moço me levaram da casa de meus pais
para longes terras, Bernardim,
e talvez por isso
me seja hoje mais fácil chegar do que partir.

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