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quinta-feira, agosto 18, 2011

Três poemas do meu poemário de Agosto: Para a Alice, em dia de anos com capicua

1.O mar, amor, em Agosto

Praia de Paimogo.
Estas pedras estão aqui
Há milhões de anos.
E eu não sei dizer-te
Por que é que estas pedras estão aqui
Há milhões de anos.

Uma enseada, uma cratera, um lago.
A Praia de Paimogo foi talhada
A ferro e fogo.

Mas se eu fosse deus,
Todo poderoso senhor
Ou até vulcão,
Tê-la-ia desenhado,
Com muita ternura,
Sob a forma de coração.
Só para ti, meu amor.

Estas pedras estão aqui
Muito antes dos dinossauros
Evoluírem e dominarem
O planeta azul.
Que afinal não era assim tão azul
Quanto o pintavam.

Visto da janela do teu quarto,
Em Candoz,
O vale era o mundo
E era verde,
Tal como em A Cidade e as Serras,
Do Eça de Queiroz.
Muito antes do mar,
E do pôr do sol sobre o mar,
Muito antes de saberes
Onde ficava a praia da minha infância.

Nem vale.
Nem pombas.
Nem praia.
Na Praia do Vale de Pombas,
À maré cheia, à praia-mar,
Há apenas um fio de água doce
Que mantém os cordões umbilicais
Do infinitamente pequeno da vida
Ligados ao infinitamente grande
Dos corpos celestiais.

Vale de Pombas:
Aqui caiu uma chuva de meteoritos.
Um dia hei-de lá levar-te.

Praia de Vale de Frades.
Mas que sei eu de cronogeologia
Para te dizer que estas pedras estão aqui
Há tantos milhões de anos ?!
Sei apenas que, de acordo
Com toda a teoria das probabilidades,
Estas pedras vão ficar aqui,
Muito depois da minha morte,
Muito depois da extinção da minha espécie.

Praia da Peralta.
O melhor do mês de Agosto
É enterrar a cabeça na areia
E escutar.
O mar.
A voz rouca do mar.
Que chegou até aqui,
Muito antes de mim e de ti,
E que vai ficar aqui
Muito depois de mim e de ti.

Não há farol
Na Peralta,
Para eu poder avisar a malta.
Enquanto o teu país arde
Ou o que resta dele.
Na Peralta passam navios ao largo.
Como manadas de elefantes.

Na Peralta,
Na malhada grande,
Eu poderia ter sido feliz
Entre apanhadores de lapas e de ouriços.
Mesmo sabendo
Que estas pedras estão aqui
Muito antes de mim,
Há milhões de anos.
Mesmo não tendo
Todas as respostas
A todos os porquês.

Porto Dinheiro
Um espesso nevoeiro
Cobre as falésias
Em Agosto.
Até aqui chegavam
As galés romanas.
E os barcos dos piratas.
Não sei se o sítio tem padroeiro
Ou orago.
Nem sei se por aqui passava
O teu caminho de Santiago.

Porto Dinheiro.
Aqui deito contas à vida.
Aqui conto as marcas
Do tempo.
Aqui lanço a âncora.
Aqui fui carpinteiro de naus.
Aqui, Plínio, o Velho,
Poderia ter fundado a paleontologia.
Mas, não:
Morreu em 69 a observar
A erupção do Vesúvio.

Praia do Valmitão.
Podia ter sido ilha de corsário
Ou baía de tubarão.
A ter bandeira,
Só a preta,
Com caveira.

No Porto das Barcas
Não há ciência,
Apenas sapiência,
Que é a mais antiga das virtudes.

Porto das Barcas:
Um navio fantasmagórico
Entra pela terra adentro.

Daqui avistamos as Berlengas.
E a Nau Catrineta
Que já nada tem para nos contar.

Praia do Caniçal:
Podia trepar
Pela minha árvore genealógica
Até ao paleolítico superior.
Pelo leito dos rios
Que sobem, secos,
Até às grandes fossas marinhas.

Praia da Areia Branca:
Não te conseguiram amar
Sem te possuir e violar.
Livro Sexto, de Sophia.

Praia do Areal:
Há uma seta
Que indica o sul.
O sol.
A zona dos chapéus.
O espaço rigorosamente vigiado
Dos amantes.
O risco de cancro da pele.
A rota da seda.
A sede.
Os amores de verão.
A morte.
Saio noutra estação.

Praia de Vale de Frades.
À volta de um prato de sardinhas,
A vida pode não ter
Metafísica nenhuma
E mesmo assim ser
Pura,
Emoção pura,
E simples,
Prazer simples.

Mandei pôr mais um prato
Na mesa, sem toalha,
Virada para o Mar do Serro.
Não me esqueci do pão,
Das sardinhas, das batatas,
Dos pimentos, da salada e do vinho...
Esperava por ti,
Que eras a oficiante da vida.
No Porto das Barcas
Não há ciência,
Apenas sapiência,
Que é a mais antiga das virtudes.

Volto à Peralta
Para partilhar contigo
A magia do sol posto
No Atlântico norte.
O amor em Agosto.

2. Deixa que os que gostam de ti, te apapariquem

Aforismos de Agosto
(a pensar em ti)

Agosto é vento,
É areia,
É sal,
Contra as pálpebras dos marinheiros
Que morreram nos teus sonhos.
Nunca deixes morrer os sonhos.
Os teus sonhos.
Nem os marinheiros de olhos azuis
E cabelos louros ao vento
Que subiam os mastros dos navios
Do teu museu do mar, imaginário.

Tu que vieste com o vento norte,
Ganhas novo fôlego e alento
E outra leveza
Ao perfazeres os dez mil passos
Diários, matinais, no areal.
Para que o corpo não crie raízes.
E a gente possa desfrutar a beleza
Da enseada de Paimogo.

O melhor de Agosto
São as esplanadas
Das pequenas terras de Portugal,
À beira mar.
Tão cheias de nadas,
Tão saloias,
Tão pimbas,
Tão belas.
Conheci-te numa delas.

Agosto são os escorpiões tatuados
Nos corpos
Das petites filles portugaises
Que voltam à terra dos avós.
Agosto são as alegrias e as vertigens
Do regresso.
Porque voltamos sempre às origens.

Os únicos que têm de vencer
São os surfistas.
Vencer a onda,
O vento,
A areia,
O sal.
Não temos que destruir para vencer.

Agosto é também
O puro desejo da mãe
Pelo filho incestuoso.
Lânguidas mamãs,
De mamas flácidas.
São focas estiradas ao sol.
São focas.
São fofas.
Como é bom ser mamã,
E foca
E fofa
E babada.

O melhor de Agosto
É teres o dia todo
Por tua conta,
O dia, a semana, o mês.
Os dias úteis do mês.

Mas o melhor de Agosto é o teu dia.
Dezoito.
E estamos cá todos,
A apaparicar-te...
Deixa que os que gostam de ti,
Te apapariquem.

Lourinhã,
Rua da Misericórdia,
18 de Agosto de 2008.

3.Teu (e)terno namorado

Um dia vou ter pena de morrer,
Só por ti
E pelo azul da luz de Lisboa
Nas manhãs perfeitas de domingo.

Um dia vou ter pena de partir,
Não pelo que não vivi,
Mas só por que não namorei contigo
Nas horas e nas desoras
Dos dias em que o azul não era tão azul,
Nem os domingos tão domingos,
Tão perfeitos,
Como tu querias….

Ficarás na dúvida
Se eu afinal sempre era o teu príncipe
Desencantado,
E tu a minha chita,
Selvagem e pouco borralheira,
Em busca do azul perfeito dos domingos
À beira Tejo.

Fora eu transparente como o céu de Lisboa
Lúcido e translúcido,
Tão certo e previsível como o Domingo
Que é o Dia, perfeito, do Senhor,
E talvez tu nunca tivesses escutado
Os meus passos na rua estreita do teu bairro,
Nem sequer lido a letra do meu fado,
Ou estranhado a primeira e única carta
Que te escrevi.
De Amor.


segunda-feira, setembro 01, 2008

Blogantologia(s) II - (70): Deixa que os que gostam de ti, te apapariquem




Lourinhã > Praia da Areia Branca > Agosto de 2008 > Surfistas ao sol...

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados



Aforismos de Agosto
(a pensar em ti)


Agosto é vento,
É areia,
É sal,
Contra as pálpebras dos marinheiros
Que morreram nos teus sonhos.
Nunca deixes morrer os sonhos.
Os teus sonhos.
Nem os marinheiros de olhos azuis
E cabelos louros ao vento
Que subiam os mastros dos navios
Do teu museu do mar, imaginário.

Tu que vieste com o vento norte,
Ganhas novo fôlego e alento
E outra leveza
Ao perfazeres os dez mil passos
Diários, matinais, no areal.
Para que o corpo não crie raízes.
E a gente possa desfrutar a beleza
Da enseada de Paimogo.

O melhor de Agosto
São as esplanadas
Das pequenas terras de Portugal,
À beira mar.
Tão cheias de nadas,
Tão saloias,
Tão pimbas,
Tão belas.
Conheci-te numa delas.

Agosto são os escorpiões tatuados
Nos corpos
Das petites filles portugaises
Que voltam à terra dos avós.
Agosto são as alegrias e as vertigens
Do regresso.
Porque voltamos sempre às origens.

Os únicos que têm de vencer
São os surfistas.
Vencer a onda,
O vento,
A areia,
O sal.
Não temos que destruir para vencer.

Agosto é também
O puro desejo da mãe
Pelo filho incestuoso.
Lânguidas mamãs,
De mamas flácidas.
São focas estiradas ao sol.
São focas.
São fofas.
Como é bom ser mamã,
E foca
E fofa
E babada.

O melhor de Agosto
É teres o dia todo
Por tua conta,
O dia, a semana, o mês.
Os dias úteis do mês.

Mas o melhor de Agosto é o teu dia.
Dezoito.
E estamos cá todos,
A apaparicar-te...
Deixa que os que gostam de ti,
Te apapariquem.

Lourinhã,
Rua da Misericórdia,
18 de Agosto de 2008.

domingo, janeiro 06, 2008

Blogantologia(s) II - (61): Lembro-me que era Dezembro

Lisboa> Belém > A ponte 25 de Abril e o Cristo Rei, ao crepúsculo > 6 de Janeiro de 2007.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Para o João, quando fez 22 anos, e que estava em Florença, no Erasmus:

João:

Um poema (revisto) que eu escrevi à tua mãe, em 1995, e que eu gostava que tu conhecesses, nestes dias de Janeiro de 2006, em que fazemos anos (tu, a 21, eu a 29):

Revisitando o poeta Eugénio de Andrade (Matéria Solar),
em busca da Alice
Ou:
Cinquenta poemas de amor,
De Agosto a Dezembro.

Cinquenta poemas de amor
Por outros tantos anos
Que já viveste
Entre a aurora boreal
E a noite polar.

Como poderia imaginá-los
Sem ti,
Como poderia escrevê-los
Sem sequer te imaginar,
Como poderia simplesmente dizê-los
Sem estares aqui ?

Lembro-me
De te ter dito Jacques Prévert:
- Les enfants qui s'aiment
S'embrassent debout
Contre les portes de la nuit...


Lembro-me que era Dezembro
E o que em ti respirava
Eram os olhos,
De costas viradas para a noite
Enquanto a terra ardia,
Quase um rio.

Éramos filhos da madrugada
E dormíamos náufragos e nus
Entre os búzios,
Do vento e dos moínhos
Fazendo atalaias
Contra o medo.

De Abril ficou o travo
Da liberdade,
A paixão
E a arte de esculpir corpos e almas.

E aos filhos que fizemos
Chamámos Joana e João.
Em Agosto, era fatal,
Por ti,
yo perdi la lhave,
El sobrero y la cabeza,

Entre o Marão e o Cabo do Mundo.
De Setembro guardo o cheiro
A mosto, a broa e a caldo
E a amizade quente e fraterna
Da tua gente.
Já não há milho verde, milho rei,
Mas em Dezembro,
Felizmente é Natal!

Luís Graça (1995/2006)

sábado, agosto 18, 2007

Blogantologia(s) II - (46): Agosto na baixa-mar

Lourinhã > Praia de Paimogo (1) > Os antigos viveiros de lagosta, em ruínas, e a descoberto na baixa-mar, 17 de Agosto de 2007.

Lourinhã > Praia de Paimogo > Baixa-mar, 17 de Agosto de 2007.

Lourinhã > Praia de Paimogo > O Forte de Paimogo, ao fundo, visto da Pria de Vale de Frades, 17 de Agosto de 2007.


Lourinhã > Praia de Paimogo > 17 de Agosto de 2007 > Pescadores, com a Praia da Areia Branca ao fundo.


Fotos: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Agosto na baixa-mar (2)

Em Agosto
Voltarás a ser catraia.
A ser a primeira
A chegar à praia.
E a deixar as tuas peugadas
Impressas na areia,
Limpa e enxuta,
Da manhã.

Em Agosto,
Para, olha e escuta
O esplendor da luz nas arcadas
Das praças da cidade
Vazia.

Agosto,
Na baixa-mar,
Será sempre o teu dia,
O dia seguinte ao acto da criação
Do mundo.
E terá sempre um lugar:
Vale de Frades
Ou a implosão das falésias
E da maresia.

Em Agosto,
Submergirás até ao fundo
E será através dos subterrâneos do mar
Que chegares até aqui.
Até mim.

Agosto,
Na baixa-mar,
Será um imenso oceanário,
A festa de todos os signos,
Do Leão ao Aquário.
Agosto, o mês do verbo amar.

Lourinhã, 18 de Agosto de 2007.

__________

Nota do editor:

(1) Vd. post de 28 de Setembro de 2005 > Blogantologia(s) II - (7): Paimogo da Minha Infância

(2) Vd. posts de:

9 de Novembro de 2005 > Blogantologia(s) II - (15): O amor em Agosto

21 de Abril de 2007 > Blogantologia(s) II - (38): Apetece-me dizer-te que te amo

segunda-feira, agosto 13, 2007

Blogantologia(s) II - (44): Infeliz o surdo (e o huno), porque dele não será o Reino de Neptuno

Lourinhã > Praia de Vale de Frades > Rocha com vestígios de árvores fossilizadas.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados

Infeliz o surdo (e o huno), porque dele não será o Reino de Neptuno

Estou surdo
E não poderei ouvir-te
Em Agosto.
Nem ouvir o que mais gosto em Agosto,
O mar,
A décima sinfonia do mar.
Ou só poderei captar
Meio som
Com meio ouvido.

Estou surdo
E por mais absurdo
Que isso te pareça
Só poderei entender
As palavras sibilinas
Que me escreveste no teu último mail.

Aqui estou, especado,
Na areia,
Emparedado
Entre o Beethoven a fazer o pino
E o desejo e a ameaça de Sibila.
Enquanto espero o otorrino
À porta do consultório
E o sol que tarda
Nesta tarde do mês de Agosto.

Infelizes os surdos
E os curdos
(que não têm mar nem pátria)
E os duros de ouvido,
Porque deles não será o Reino de Neptuno!

Sinto-me infeliz
No pico do verão,
Meio surdo,
Meio huno,
Meio curdo,
À espera do sol
E do seu espectáculo de strip-tease.

Aqui especado,
Parado,
Enterrado na areia,
À espera de qualquer coisa,
De acontecer qualquer coisa,
À espera da queda dos últimos restos
Do sacro império dos romanos,
Uma prancha de surf,
Um tubarão assassino,
Uma aeronave publicitária,
Um ataque de pânico,
Um falso alarme de tsunami,
Um crash na Bolsa de Nova Iorque,
Um suicídio colectivo,
Um pedaço da arrábida fóssil,
Um duro osso de roer de dinossauro,
Uma boa chuva de meteoritos made in China

À espera dos bárbaros,
À espera dos hunos,
À espera do otorrino,
À espera de ti,
À espera do sol
Que teima em tardar,
À espera da recuperação dos meus cinco sentidos.
À espera do som e da fúria
Da próxima praia-mar,
Em noite de lua cheia
Prenha de augúrios, fantasmas e medos.

Só não conquistaram o sol,
Os romanos,
Nem os oceanos.
O Atlântico.
O sol que tarda em Agosto.
Nem havia nesse tempo
O direito a férias pagas,
Subsídio de invalidez por surdez profissional,
Nem muito menos o prémio por nascimento
E funeral.

Estou surdo,
Ou se não estou surdo foi por um triz,
Estou surdo
E a fazer o luto
Pela morte do Estado-Providência
Que me pagava o otorrino
E as gotas para o nariz.

Aqui é o meu futuro,
Diz o novo huno,
O imigra que agora vende Bolas de Berlim
Em praias rigorosamente concessionadas
E vigiadas pela ASAE.
Sem dó
Nem piedade.
Viva o fascismo sanitário,
Proclama o outdoor
Da nova polícia das retretes
E dos croquetes.

Estou surdo.
Falta-me ficar cego e mudo.
Para ser cego, surdo e mudo,
Como a figura da deusa Justiça.