quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Blogantologia(s) II - (25): Terras de Espanha, areias de Portugal...

Publicado originalmente no Blogue-Fora-Nada, em dois posts 11 de Outubro de 2003 >

Portugal Portugal sacro-profano - I: Do Colo do Pito à Catraia do Buraco...

Portugal Sacro-Profano - II : Portugal in su situ

1. O Portugal no Seu Melhor podia ser um altamente pedagógico programa do ciberespaço, programa de educação cívica, estética, ambiental, linguística.... Tem os seus cultores, mas não faz o meu género: é masoquista, deprimente, alarve, inocente e inofensivo, fica-se muito pela caricatura do boçal Zé Povinho, o eterno bombo da festa!... Na realidade, passa ao lado da(s) elite(s), dos educadores, dos inteligentes, dos padres, dos professores, dos opinion makers, dos gestores, dos políticos, dos reis e raínhas, das sociedades secretas, dos presidentes da(s) república(s), dos heróis e heroínas da nossa história.

Em boa verdade falta-nos (infelizmente, direi eu) o Bordalo Pinheiro do Séc. XXI para zurzir o outro Portugal, não menos pimba e infoanalfabeto, que julga que já apanhou a autoestrada do futuro só porque tem o último telélé da Nokia, navega na Net em ADSL banda larga, fala inglês, passeia-se de BMW, anda em colégios finos e pisa as passarelles da moda... De qualquer modo a caricatura da nossa fina flor do entulho pode entrever-se nas revistas cor de rosa, na chamada imprensa social, em muitas das caras conhecidas do nosso meio artístico, televisivo, desportivo, empresarial, académico, político e por aí fora...

Aí a gente vê-se (revê-se) nos benditos filhos e filhas que o País (macho) e a Nação (fêmea) deram ao Mundo... Todos filhos e filhas (ou netos e netas) do coitado do Zé Povinho... Só que eles e elas já não o (re)conhecem: está velho, sofre de Alzheimer, tem escaras e foi abandonado no lar da Misericórdia (...em vias de se transformar em Hôpitel, S.A).

Depois que se perderam pelas sete partidas do mundo, os tugas (como diriam os meus nharros da Guiné) continuam à procura de Portugal in su situ... Os Portas e quejandos proclamam que nunca perderam a portugalidade. Nunca percebi o que quer dizer o palavrão: imagino que seja a maneira muito própria, vertical, de se ser português...in su situ!



2. Colo do Pito e Catraia do Buraco: estes e outros são nomes de santas terrinhas (e outros lugares menos santos ) que existem em placas toponímicas, por esse Portugal fora. Algumas foram muito provavelmente carbonizadas pelo fogo do inferno (de que Deus nos livre!), o qual, nestes últimos verões de má memória, tem varrido o nosso chão sagrado, de norte a sul e de leste a oeste (...Com tantas blasfémias e tanta gente ímpia, o que é que vocês esperavam ?).

Não faço a mínima ideia de quem foi o conquistador franco, o fundador, o povoador, o bandeirante, o geógrafo, o marinheiro, o corsário, o padre, o santo, o poeta ou o até o eleito (o autarca) que deu o nome à(s) coisa(s)... É certo que o país, a terra, os pais, os irmãos e o nome de baptismo a gente não é livre de escolher... (Mas devia ser, já que se fala tanto, hoje em dia, em direitos de personalidade!).

3. Convenhamos que há sítios mais (im)próprios do que outros para uma pessoa nascer, viver, respirar, amar, trabalhar e morrer....Vocês já imaginaram serem conterrâneos dos habitantes, por exemplo, de Cabrão, Cama Porca, Focinho de Cão, Paitorto, Picha, Punhete, Rego do Azar, Rio Seco dos Marmelos ou Venda da Gaita ? Por mim não vejo mal nenhum nisso, desde que os portugas lá nascidos não se sintam discriminados e sejam felizes... Afinal, são flores (brutas, espontâneas, singelas) destas Terras de Espanha, Areias de Portugal...

Mas um dia destes suspeito que os eurocratas de Bruxelas irão tomar conta de mais este dossiê e normalizar a(s) coisa(s)... Como têm feito com (quase) tudo o resto: a pêra e o pêro, o porco e a porca, por exemplo, que só podem ir à nossa mesa se forem calibradas pelos aferidores de Bruxelas (a pêra e o pêro) ou abatidos, sem dor nem discriminação de sexo, nos matadouros da civilização !.. Por isso é que esses, os ditos aferidores, são chamados de... peritos (que são uma espécie de pêros, devidamente calibrados).

Para já, não pode haver nenhum sítio, no espaço único europeu, chamado Mata Porcas, por exemplo, pela simples razão de que matar o porco ou a porca em casa, no quintal, na praia, na rua ou no adro da igreja é um grave atentado à saúde pública e à unidade sócio-cultural do super-Estado de Schengen, para além de um espectáculo bárbaro que pode até agudizar a má-consciência dos carniceiros europeus... E depois vamos lá ver: há nomes que são perigosos, podendo até ter (i) conotações pedófilas como Catraia do Buraco; ou (ii) erótico-satíricas, para não dizer mesmo pornográficas, como Senhora do Alívio, susceptíveis de ferir a sensibilidade dos crentes ou provocar a ira dos ateus e agnósticos...

Quanto ao Cu de Judas, garanto-vos que não foi um invenção do (do-nosso-próximo-Prémio-Nobel-da-Literatura-que-já-não-há-de-chegar-a-ser) António Lobo Antunes (e é pena, por que o gajo é um génio!).

Pois bem, o Cu de Judas existe mesmo e fica algures no meio do Atlântico... Provavelmente o sítio terá sido descoberto pelos homens da Nau Catrineta quando, sofrendo de miragens, já viam Terras-de-Espanha-Areias-de-Portugal por um canudo (Coitados naquele tempo não havia escolaridade obrigatória, nem se aprendia geografia pelos livros, nem muito menos havia internet!...).

4. Depois deste paleio todo sobreo Portugal in su situ, o Portugal, macho, dos nossos avoengos, aqui vai a lista (necessariamente incompleta, logo aberta...) com os nomes das ditas santas terrinhas e dos outros lugares menos santos, seguidos do respectivo concelho (ou ilha). Este é o Portugal sacro-profano (como diria o saudoso poeta Ruy Belo), que também nos coube em herança.

A lista destina-se àquela camada mais adiposa dos portugas que viajam muito por países exóticos e não têm tempo para conhecer a santa terrinha que Deus lhes deu e o Dom Afonso Henriques e os seus façanhudos descendentes conquistaram aos marafados dos berberes...

Se vocês se (a)lembrarem de mais alguns nomes, registem e acrescentem, que não pagam nada. Trata-se de um trabalho colectivo, de muitas e desvairadas (ciber)gentes. Provavelmente esta é a última oportunidade que ainda têm de conhecer o Portugal profundo em vias de extinção. Quem não for ao Pulo do Lobo antes do Prof. Cavaco tomar posse como presidente da República, é por que não votou nele ou então anda a ver passar os comboios na ponte dita 25 de Abril.

De futuro, e a acreditar nas projecções demográficas do INE (leia-se: Instituto Nacional de Estatística) ninguém mais nascerá no Chiqueiro, no Cemitério ou na Venda da Porca, mas sim na Maternidade Alfredo da Costa, na Júlio Dinis e sobretudo nos novos Hospitais SA do Portugal do Século XXI).


A
Agua Derramada - Grândola
Aliviada - Marco de Canaveses
Amor - Leiria
Angústias - Paredes de Coura
Às dez - Angra do Heroísmo

B
Bagaceira – Calheta
Bairro do Fim do Mundo - Cascais
Baixa da Banheira - Antigo Lugar da Banheira (Séc. XV), Moita
Bêbeda - Sines
Bexiga - Tomar
Bicha - Gondomar
Bicho - Santo Tirso

C

Cabeça de Carneiro - Évora (distrito)
Cabeçudos - Marvão
Cabrão - Ponte de Lima
Cabrões - Santo Tirso
Cama Porca - Alhandra
Campa do Preto – Maia
Casal da Gaita - Lourinhã
Casal de Água de Todo o Ano - Abrantes
Catraia do Buraco - Belmonte
Cemitério - Paços de Ferreira
Chiqueiro – Lousã
Chouriço - Évora (distrito)
Coina – Barreiro
Coito - (Vários concelhos)
Colo do Pito - Castro Daire
Cova da Moura - Amadaora
Coxo - Vila da Praia da Vitória, Oliveira de Azeméis e Felgueiras
Crucifixo – Tramagal
Cu de Judas – Ilha de São Miguel, Açores
Cu Marinho - Évora (distrito)

D
Deixa-o-Resto – Santiago do Cacém
Deserto - Alcoutim, Coruche e Estremoz

E
Endiabrada - Aljezur e Odemira
Esgaravatadouro - Monchique

F/G/H

Focinho de Cão - Aljustrel
Garanhão - Ponte da Barca
Hospícios - Azeitão

I/J

Imaginário - Caldas da Rainha
Jerusalém do Romeu - Mirandela

M/N/O

Mal Lavado - Odemira
Máquina - Cabeceiras de Basto
Mata Cães – Torres Vedras
Mata Ladrões - Évora (distrito)
Mata Mouros - Vila do Bispo
Mata Porcas - Lagos e Monchique
Monte do Pau - Évora (distrito)
Monte do Trambolho - Évora (distrito)
Monte dos Tesos - Avis
Namorados - Castro Verde e Mértola
Orelhudo - Coimbra

P

Paimogo - Lourinhã
Paitorto - Mirandela
Paixão - Celorico de Basto e Vieira do Minho
Panasqueira - Portalegre (distrito)
Paraíso - (Vários)
Passado - Vila Verde
Pedaço Mau - Vila Nova de Ourém
Pernancha de Cima - Portalegre (distrito)
Pernancha de Baixo - Portalegre (distrito)
Pernancha do Meio - Portalegre (distrito)
Pés Escaldados - Arganil
Pias - Évora (distrito)
Picha - Pedrógão Grande
Pirescoxe - Santa Iria da Azóia, Loures (a terra em que viu nascer gente operária e militantes comunistas como o Jerónimo de Sousa)
Pitões das Júnias - Montalegre
Pobreza – Caminha
Poço de Boliqueime – Loulé
Poço dos Mouros - Lisboa
Ponta - Lajes das Flores e Porto Santo
Porca - Ponte de Lima
Porqueiras - Sítio da freguesia de Seixo Amarelo, Guarda
Presa dos Mouros - Lagoa
Pulo do Lobo - Mértola (celebrizado pelo Prof. Cavaco Silva, e tornado o símbolo do Portugal profundo)
Punhete - Valongo
Purgatório - Albufeira

Q
Quartos - Vila Verde e Loulé
Quinta de Comichão - Guarda
Quinta do Himalaia - Barreiro

R
Rabo de Peixe - Ilha de São Miguel, Açores
Rabo de Porco - Penela
Rato - Barcelos e Vila Nova de Famalicão
Ratoeira - Vila Nova de Cerveira
Rata - (11 concelhos, pelo menos: Arruda dos Vinhos, Beja, Castelo de Paiva, Espinho, Maia, Melgaço, Montemor-o-Novo, Murça, Santarém, Santiago do Cacém e Tondela)
Rego do Azar - Ponte de Lima
Rio Seco dos Marmelos - Ferreira do Alentejo

S

Sempre Noiva - Évora (distrito)
Senhora do Alívio - Baião
Sítio das Solteiras - Tavira
Solteiros - Évora (distrito)

T

Terra da Gaja – Lousã
Tomates - Albufeira
Traseiros - Oliveira de Azeméis

V

Vacalouras - Castanheira de Pêra
Vaginha - Vagos
Vale da Rata – Almodôvar
Venda da Gaita - Tomar
Venda da Porca - Estremoz
Venda das Pulgas - Mafra
Venda das Raparigas - Alcobaça
Vale de Mortos - Beja
Venda dos Pretos - Leiria
Vergas - Vagos
Vila Nova do Coito - Santarém
Vilar de Vacas - Antigo nome de Ruivães, concelho de Vieira do Minho
Vinha da Desgraça - Coruche
Violência - Paredes de Coura