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terça-feira, julho 03, 2012

Blogantologia(s) II- (100): De Lisboa a Luanda, ou o puro azul do desejo


De Lisboa a Luanda: o puro azul do desejo



Estavam lindos os jacarandás
quando deixei Lisboa
e o Tejo,
ao fundo.
Eram o puro azul do desejo,
o azul mais inebriante do mundo.
Para trás,
ficava o sulco de uma canoa
e o cheiro a alfazema de Alfama.
No teu quarto, de hotel barato,
o sofá-cama desfeito
era um certo jeito de dizer adeus.
Um jeito tão português,
tão nosso,
o nosso fado,
dirás.
Não posso
falar da saudade de quem fica,
nem devo dizer do desejo de quem parte,
que o amor é ciência e é arte.
Subo aos céus,
em avião a jacto
que corta o planeta
em duas metades laranja
ao pôr do sol.
Não sei se é amor,
de jure e de facto,
ou apenas sorte
o arco-íris da tua paleta
com que pinto Lisboa de jacarandás.
Mas que pode a imaginação do poeta,
quando o coração, mais forte,
pensa que manda ?
Eram os teus lábios
que eu em vão procurava
nas folhas das acácias vermelhas
com que imaginava,
coberta,
a ilha de Luanda…

Luís Graça

Portugal, Lisboa, Parque Eduardo VII;
Angola, Luanda, Ilha de Luanda, Clínica da Sagrada Esperança, junho de 2012.

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quarta-feira, abril 15, 2009

Blogantologia(s) II - (78): A guerra como forma (heróica) de suicídio... altruista

Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saiem. Adeus checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito (*)


Foto: ©
Tino Neves / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.



A guerra como forma (heróica) de suicídio altruista

Quem terá sido o 'grafiteiro'
(avant la lettre...)
que escreveu:
"Em Mueda, os cordeiros que chegam, são lobos que saem" ?

É um pensamento que é válido
para todas as situações de guerra.
Os jovens, quase imberbes,
os meninos de sua mãe
(como escreveu o grande Pessoa),
que chegam à frente de batalha,
ainda são cordeiros,
inocentes,
virgens,
imaculados...
O horror e a violência da guerra
irão transformá-los em lobos,
em duros,
em violentos,
em conspurcados...
Não necessariamente predadores,
assassinos,
criminosos...
(que é o estereótipo
que o ser humano ainda guarda
do pobre do lobo mau!)...

Mas há, seguramente, uma perda de inocência:
nenhum de nós foi para a Guiné
e veio de lá impunemente,
igual...
Os nossos amigos e familiares deram conta disso:
já não éramos os mesmos,
nunca mais fomos os mesmos...

Acho que é isto
que o inspirado autor do mural de Mueda quis dizer.
É claro que há também aqui
a dose habitual de bravata e de fanfarronice:
é uma frase para intimidar
os 'checas', os 'piras', os 'maçaricos', os novatos...

Também os militares, profissão de risco,
têm a sua ideologia defensiva,
as suas crenças,
os seus talismãs,
os seus mesinhos
(usavam-nos os guerrilheiros
na Guiné,
em Angola,
em Moçambique,
não obstante a sua 'formação' racionalista,
marxista-leninista,
dita revolucionária)...
A bravata e a fanfarronice,
além das praxes e do álcool,
ajudavam-nos, a todos nós,
a lidar com o medo,
as situações-limite,
a morte,
o sofrimento, físico e moral,
a impotência,
o desespero…

Não há, nunca houve,
super-homens,
super-heróis:
há apenas deuses,
que inventámos, à nossa imagem e semelhança,
e para quem transferimos qualidades e defeitos humanos...
Que inventamos todos os dias…
Precisamos dos mitos,
das lendas,
da efabulação,
do pensamento mágico,
mesmo sob a roupagem (enganadora) da ciência e da tecnologia.

Daniel Roxo deve funcionar,
para os nostálgicos do paraíso perdido do 'apartheid'
(Moçambique, Rodésia, África do Sul...),
como o Che Guevara
que (ainda) funciona como um ícone,
tanto para os jovens sem ideologia de hoje,
como para os ‘cotas’,
os seus pais e tios,
os velhos revolucionários românticos
que queriam, nos anos 60 e 70,
incendiar o mundo,
criando um, dois, três, muitos Vietnames!...

Há homens que são incapazes de deixar de combater...
Mesmo, no limiar da decadência física,
a adrenalina da guerra é mais forte que a razão...
É um pulsão muito forte.
O que terá levado este e outros compatriotas nossos
a alistar-se nas forças especiais do regime racista da África do Sul
e a morrer em Angola por uma pátria que não era a sua ?
Poderei perguntar o mesmo pelos cubanos
que morreram em Angola (mas também na Guiné).
Dir-me-ão que lutavam por um mundo em que acreditavam,
por uma bandeira,
por uma causa que era a sua razão de vida...
Sou céptico:
o ser humano é motivacionalmente muito complexo
e manipulável
e moldável…
Creio que a guerra também poder viciante,
havendo homens que nela entram
e dela nunca mais saem...
A guerra pode ser uma forma (heróica) de suicídio...
altruista.

_________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)

6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2032: Estórias de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2127: Estórias de vida (5): Sérgio Neves, meu irmão, um homem bom (Tino Neves)

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Blogantologia(s) II - (33): Os meninos da Ilha de Luanda

os meninos da ilha de luanda
são filhos de pescadores
são filhos de náufragos
são filhos da deriva dos continentes
são filhos bastardos da guerra e da paz
são filhos dos sonhos do dia e dos pesadelos da noite
são crisálidas
são puras formas de ser
são filhos dos homens
que nunca foram meninos

pergunto-me
como é que eles poderão um dia
chegar a ser homens


Angola, Luanda, Ilha de Luanda, Setembro de 2004