segunda-feira, setembro 01, 2008

Blogantologia(s) II - (67): Se tens galinha perdês, não a mates nem a dês

Se tens galinha perdês, não a mates nem a dês

Como era simples a vida da camponesa
Que ia ao monte buscar lenha
No carro de bois.
Ou que, de saco à cabeça,
Ia levar o grão de centeio
À azenha.
E que abria as pernas, depois,
Ao seu homem e seu amo,
No meio do campo de milho.

Que quadro,
Que pintura,
Que beleza,
Tardo-naturalística,
O desta humilde portuguesa,
Sem rosto,
Sem nome,
Sem registo,
Sem trilho.
Sem a mística
Nem a estética do Movimento Nacional Feminino.
Porra e lenha,
É quanto a venha
.

Como era simples e brutal
A vida da mulher do campo
No tempo em que ainda havia
A distinção socioantropológica
Entre a cidade e o campo.
E havia o carro de bois,
E a maçã, biológica,
E o império colonial,
E a costeleta de Adão
E as criadas de lavoura eram violadas
Em cima da meda da palha de centeio.
Enquanto os bois gemiam
E as rodas do carro chiavam
E o abade pregava:
Freiras e frieiras
É coçá-las e deixá-las
.

Como eram imutáveis as leis
Que regiam as relações
Entre machos e fêmeas,
Entre fidalgos e rendeiros,
Entre donzelas e donzéis,
Entre soldados e capitães,
Entre ricos e pobres
Entre operários e patrões.
E cada um tomava o seu lugar
No desconcerto das nações
Ou no palco do teatro da vida e da morte.
Se queres conhecer o vilão
Mete-lhe o mando na mão.


Como era estupidamente alegre
A infância, breve,
No tempo em que a sardinha
Era para três.
E sobreviva o mais forte.
E o galo cantava
Para a galinha perdês.
E a vida fiava-se e tecia-se
Linha a linha.

Como era curta a vida,
A esperança de vida,
E certa, tão certa, a morte.
Muita saúde, pouca vida,
Porque Deus não da(va) tudo.

Ou noutra variante, feminista:
Se tens galinha perdês,
Não a mates nem a dês.

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