terça-feira, julho 03, 2012

Blogantologia(s) II- (100): De Lisboa a Luanda, ou o puro azul do desejo


De Lisboa a Luanda: o puro azul do desejo



Estavam lindos os jacarandás
quando deixei Lisboa
e o Tejo,
ao fundo.
Eram o puro azul do desejo,
o azul mais inebriante do mundo.
Para trás,
ficava o sulco de uma canoa
e o cheiro a alfazema de Alfama.
No teu quarto, de hotel barato,
o sofá-cama desfeito
era um certo jeito de dizer adeus.
Um jeito tão português,
tão nosso,
o nosso fado,
dirás.
Não posso
falar da saudade de quem fica,
nem devo dizer do desejo de quem parte,
que o amor é ciência e é arte.
Subo aos céus,
em avião a jacto
que corta o planeta
em duas metades laranja
ao pôr do sol.
Não sei se é amor,
de jure e de facto,
ou apenas sorte
o arco-íris da tua paleta
com que pinto Lisboa de jacarandás.
Mas que pode a imaginação do poeta,
quando o coração, mais forte,
pensa que manda ?
Eram os teus lábios
que eu em vão procurava
nas folhas das acácias vermelhas
com que imaginava,
coberta,
a ilha de Luanda…

Luís Graça

Portugal, Lisboa, Parque Eduardo VII;
Angola, Luanda, Ilha de Luanda, Clínica da Sagrada Esperança, junho de 2012.

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terça-feira, maio 01, 2012

Blogantologia(s) II - (99): Poema para os dias tristes


Poema para os dias tristes
(Dedicado às mulheres que eu amo)

Às vezes não sabemos lidar
Com este mundo,
Sobretudo quando ele é claustrofóbico.
Às vezes temos de passar
A nossa temporada no inferno,
No mais fundo
Do ventre materno.
Ah! esta nossa terra,
Mãe e madrasta,
Madrinha de guerra,
Jocasta,
Que ora cuida de nós ora nos maltrata,
E a quem não conseguimos dizer Basta!

Não sabemos tirar a pedra,
A simples pedra,
Que serve de tampão ao nosso vulcão…
Todos temos um vulcão,
Nem que seja um vulcãozinho de estimação,
Um vulcão que é 70% de pura emoção,
Que é o puro delírio do poder
Ou do simples poder da imaginação!...
Antes fosse só poesia,
Implosão de alegria,
Poesia do delírio!...
Os outros 30% são
Cocktail de sangue, suor e lágrimas.

Mas é aqui que tu e eu vivemos
E respiramos,
Mesmo que mal,
E é aqui que sonhamos,
E nos enamoramos,
E aos sábados e domingos rezamos
Aos deuses que nos outros dias da semana criamos.

É aqui que eu  tiro a conclusão
Que sou livre  mas mortal.
É aqui (que eu sei) que vou  morrer,
Ponto final!
Digo que vou morrer, meu amor…
Mas o que é morrer ?
Sei lá, é o fim da espiral,
O cabo finisterra,
O colapso dos meridianos,
A cama terminal do hospital.
Sei que vou morrer
Pela simples lei das probabilidades:
Tudo o que vive, morre,
Tudo o que vai morrer, já viveu.
E eu vivo, logo morro!
Nada mais cartesiano…
Só não sei a hora, o dia, o mês e o ano!

Receio bem, querida,
Que não tenhamos alternativa,
Podemos mesmo achar
Que é injusto ou até indecente
Não haver uma 3ª via
Entre o viver e o morrer.
Pena que a vida
Seja o que é,
De sentido único,
Do berço à cova.
Pena que não seja como o serviço de buffet
Do restaurante,
Para ao menos se poder escolher
Entre o frio e o quente!
Oxalá o amor, meu amor, fosse eterno!
Ou oxalá fosse eterna a doce ilusão do amor!

Estou agora parado,
Feito pateta,
No entroncamento do planeta,
Num comboio fantasma,
Sentado no lugar do morto
Que não vejo,
E que foi vítima de um qualquer miasma.
Ah! Como eu invejo
Os otimistas profissionais,
Os arquitetos do futuro,
Os céticos,
Os agnósticos,
Os chacais,
Os místicos,
Os letrados,
Os prognósticos
(mesmo que reservados),
Os tristes,
Os bem aventurados,
Os altruístas,
Os mente…capos,
Os amigos da humanidade,
Todos aqueles,
Que vão pondo andaimes
Nos cumes do nada.

A verdade
É que às vezes não sei
Onde pôr os pontos nos ii
Nem os pontos de reticência
Na  Sua Excelência!
Ou até, pasme-se!, a pomba da paz
Na alto do quico do general,
Que é o palhaço de serviço ao circo global!
Mas isso tanto faz:
Nem sequer sei pôr,
Como manda a boa ortografia,
O simples ponto
De interrogação (ou de exclamação ?)
Na eternidade.
Ou o  simples dedo…
No cu do medo!

Lisboa, 14/2/2012

segunda-feira, março 19, 2012

Blogantologia(s) II - (98): Meu pai, meu velho, meu camarada

Para todos os pais,
Os nossos pais,
Que vivem com a dignidade possível
na solidão instuticionalizada dos terminais da morte


Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que estás achegar ao fim,
Sinto que estás a desistir,
Sinto que estás com poucas ganas de lutar
Contra o inexorável fim…

É com um aperto no coração
Que te vejo aí deitado no teu cadeirão articulado,
Do Lar da Senhora da Guia, 
Na Atalaia da Lourinhã,
Com as velhas canadianas definitivamente arrumadas a um canto…
Onde está o teu proverbial sentido de humor,
Quando brincavas com as tuas canadianas,
Dizendo que tinhas trocada uma velha por duas novas ?!…
Onde está o teu gosto pela anedota,
O verso, o improviso, o dito sempre apropriado
Para cada conversa, para cada ocasião ?

Meu pai, meu velho, meu camarada…
Sinto que está agora mais difícil, para ti,
Prosseguir a viagem…
Já não queria que fosses até ao km 100,
Da autoestrada da vida,
Queria que chegasses ao menos até ao km 92,
Devagarinho, sem dores,
No dia 18 do próximo mês de Agosto…

Se calhar estou a ser egoísta,
E a subestimar ou menosprezar os teus avisos:
“Isto tá bera, Lis Manel”
(É assim que me tratas, sempre me trataste, 
por Lis Manel).
Claro que eu vou brincando contigo,
Desafiando-te para ires ver o mar,
Não o mar azul do Mindelo,
o mar do Porto Grande e o ilhéu dos Pássaros,
Mas o das Berlengas,
Limpar a vista, tu dizes,
E tomares o café com o cheirinho,
No bar dos Cinco Paus,
Mostrando-te a amarelinha em balão:
“Tome (nunca te tratei por tu)
que no céu não há disto!”

O que te prende à vida, meu velho ?
A tua velha companheira, muda e queda,
Ainda a teu lado ?
Os teus filhos, netos e bisnetos,
Que já são tantos que dão Para fazer duas equipas de futebol ?
Já não queres ver os teus amigos
Do banco do jardim,
Do Largo da Igreja,
Já não te interessas pelos resultados do teu Benfica,
Já deixaste de escrever o teu diário,
Já não lês a Bola,
Já não ouves o relato da bola,
Já não vais à bola ao domingo, com o Mário,
Nem gritas aos jogadores do Lourinhanense:
“Quem ganha é quem corre,
Quem ganha é quem corre!”
Já não corres, meu pai,
Já correste tudo o que tinhas a correr
Pela vida fora, na labuta da vida…
Mas ainda continuas a ganhar, meu velho,
A marcar pontos, meu camarada…
Os do exemplo de bondade,
Humanidade,
Coragem,
E sabedoria…

Um bom dia do pai,
No dia do pai,
Para ti
Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada!

Alfragide, 19 de Março de 2012

segunda-feira, janeiro 02, 2012

Blogantologia(s) II - (97): Dies irae, dies illa!

Dies ira

Dedicado a todos os camaradas,
humilhados,
esquecidos,
abandonados,
ostracizados,
emigrados,
exilados,
que um dia subiram o portaló
dos Niassa, dos Uíge, dos Ana Mafalda,
a caminho da Guiné,
aquela terra verde e vermelha
que a todos nos marcou,
a ferro e fogo...
sem esquecer os que simplesmente viajaram nos TAM!

Que o ano de 2012,
mesmo de raiva,
seja de coragem e de esperança!
Como os anos que passámos na Guiné!



Cavalgam caudalosos os rios
Pela terra adentro,
Enquanto fluem ruidosos
Os dias da guerra.

Rios que não são rios
Mas rias,
Entranhas ubérrimas
Fustigadas pelo vento,
Rias baixas pela manhã,
Pedaços, braços de mar,
Restos de tsunamis,
Pontas de fuzis,
Palavras acérrimas,
Imprecações ao Grande Irã,
Picadas minadas
De ir e não mais voltar.

Dias que não são dias,
Circadianos,
Mas fragmentos,
Ora ledos ora amargos enganos,
Estilhaços de tempo,
Riscos nas paredes sujas dos bunkers,
Repentinas emboscadas,
Breves finais de tarde,
Instantes,
Flagelações,
Balas tracejantes
Sob o céu verde e vermelho
Enquanto o capim arde.

Narciso, revejo-me ao espelho,
Quebrado,
Vou nu,
De camuflado,
De azul,
Celestial,
Ao encontro do anjo da morte
Em Jugudul.
E não há estrelas
À noite,
Mas a bússola indica o norte,
Sideral,
Nunca o sul,
Nunca o nascer nem o morrer.

Dies irae, dies illa,
Dia de ira, aquele,
Em que subiste o cadafalso do Niassa,
Ou do Uíge ou do Ana Mafalda,
Dias de ira, aqueles,
Os da guerra!
Calai-vos,
Rápidos do Saltinho,
Rápidos de Cussilinta,
Vós que mais não sois
Do que canoas loucas,
Desenfreadas,
Levadas pelo macaréu da nossa raiva,
Entre o Geba e o Corubal.

Braços que não são braços,
Amputados,
Mas apenas tatuagens,
Traços,
Letras de fado pungentes,
Pontes que são miragens,
Tentáculos, serpentes,
Lianas, cortadas pela catana,
A eito,
Pela floresta-galeria,
Inferno tropical,
Túneis, tarrafo,
Bolanhas, lalas, bissilões,
Curvas da morte do Cacheu ao Cumbijã,
Apocalípticos palmeirais,
Pontas de punhais
Cravadas no peito,
Irãs acocorados
No alto dos poilões.

E depois o silêncio.
O impossível silêncio.
O silêncio das partituras,
Das mapas dos argonautas,
Partículas,
Pausas,
Pautas,
Cartas de tiro
Com claves de sol,
Desidratação,
A ogiva do obus,
O medo da avestruz,
O roncar do helicanhão,
Gritos do djambé,
E do macaco-cão,
Gemidos de kora,
Espasmos de balafon,
Rajadas de kalash
Ecos do bombolom,
Bombas de fragmentação
Que correm no dorso dos cavalos
Desde o Futa Djalon.

Não vou poder ouvir o silêncio do Cantanhez,
Nem quero ouvir o grito da morte
Outra vez.
.

Vamos cantar as janeiras (4): Escola Nacional de Saúde Pública, 2011

Lisboa, ENSP/UNL, Festa de Natal,

Aos antigos diretores desta casa,
Ao presidente e membros dos atuais órgãos de gestão da Escola,
Conselho Geral,
Diretor
Sudiretora
Conselho de Gestão,
Conselho Científico
E Conselho Pedagógico…

A todos os demais senhores e senhoras,
Meninos e meninas,
Discentes, docentes e não docentes,
De todos os pisos,
De todas as secções,
De todos grupos de disciplinas,
De todos os gabinetes e projetos,
Comissões, subcomissões e grupos de trabalho…
Sem esquecer o pessoal do Back Office
Que faz parte da equipagem deste barco
(na marinha, diz-se navio, NPR –Navio da República Portuguesa):
Os serviços administrativos,
Os financeiros,
Os académicos,
Os secretariados,
As publicações,
A documentação e a informação,
A comunicação e imagem,
A informática,
As telefonistas,
A reprografia,
A manutenção, o bar, a limpeza, a segurança…
(sem esquecer os ratos, que também fazem parte de qualquer navio)

Boas festas a toda a gente,
Um Natal feliz e quente!…



O nosso alegre fadário (*)


[Tiítulo apropriado para as nossas Janeiras, em ano… em que Fado deixou de ser lisboeta e português: é agora Património Imaterial da Humanidade… E para que não digam que o ano de 2011 foi mais um annus horribilis do nosso Séc. XXI…]



Refrão

Sou o Principal
Desta Escola Nacional
Em que a saúde é global
E onde tudo é velho e novo…
E governando,
O barco lá vou levando,
Ai!...
O orçamento esticando,
Mas sempre… a bem do povo!

1.

Ainda mal era estudante,
Logo a achei deslumbrante,
Higia, deusa querida,
C’o tempo deu-lhe trela,
Namorei, fiquei com ela,
P’ró resto da minha vida!

2.

Qu’amor tão salutogénico,
Que casal tão transgénico!...
Só o Olimpo não perdoa
Tamanha humana vaidade,
A da eterna mocidade
No corpo de uma pessoa!

3.

E por mal dos meus pecados,
Chovem queixas e recados:
Essa deusa é paranóica,
Se não poupas o tostão,
Vais morrer de coração,
É melhor chamar… a troika!

4.

Pobre de mim, economista,
Nem p’rós melros tenho alpista,
Nem papel para as retretes;
Ai que me dá um achaque,
Vem lá o homem do fraque
E até nos leva os croquetes!

5.

Mesmo quem não é cá da rua,
A esta Escola chama sua:
Seu patrono é o Padre Cruz,
Tem condomínio fechado,
Com o INSA, geminado,
A quem paga água e luz.

6.

Chamam-lhe a Árvore do Mal,
Vai p’ra abate municipal,
É o cantinho do fumador…
Cada dia cai uma pernada,
E mesmo não dando por nada,
Paga o justo p’lo pecador.

7.

Para acabar o fadário,
Falta o conto do vigário,
Health is business, não é esmola:
Dando a Higia como dote,
Dá-se às manas um retoque
E cria-se a… Grande Escola!

8.

Boas festas, senhor Reitor,
Nosso amigo e benfeitor,
Saia o teste de literacia,
Oito mais um é poesia.
Soma nove e fora… NOVA,
Aqui tem a nossa prova!


9.

Boas festas, senhores discentes,
Nossos queridos clientes,
São os votos dos professores;
C’o histórico orçamento,
Quem lhes paga o vencimento
São os futuros doutores.


10.

Boas festas à Direcção,
Está cumprida a tradição,
Obrigados p’lo almoço;
Retribuímos co’ as Janeiras,
Modo de dizer asneiras
Do povo… em alvoroço!

11.

Boas festas aos demais poderes,
Científicos e pedagógicos,
Digitais e analógicos;
C’poucos teres e muitos saberes,
De fraque e até de cartola,
Assim se faz uma escola.


12.

E p’ró fim fica o melhor,
Boas festas, pessoal menor,
Nunca vos falte o trabalho:
Cá por mim nos invejo.
E neste Natal desejo:
“Nunca digam… pouco valho”!!!

Refrão


Sou o Principal
Desta Escola Nacional
Em que a saúde é global
E onde tudo é velho e novo…
E governando,
O barco lá vou levando,
Ai!...
O orçamento esticando,
Mas sempre… a bem do povo!

(*) Inspirado no Fado do Cacilheiro

Letra : Paulo Fonseca (**); música: Carlos Dias

[Criação do ator de revista José Viana, justamente imortalizado como o Zé Cacilheiro. Veja-se um vídeo, de 1966, que passou na RTP Memória, e está disponível no YouTube:

http://www.youtube.com/watch?v=qL07wLZPGFw&feature=related ]



(**) Fado do Cacilheiro

Quando eu era rapazote,
Levei comigo no bote
Uma varina atrevida,
Manobrei e gostei dela
E lá me atraquei a ela
P’ró resto da minha vida.

Às vezes, a uma pessoa,
A idade não perdoa,
Faz bater o coração
Mas tenho grande vaidade
Em viver a mocidade
Dentro desta geração.

Refrão

Sou marinheiro
Deste velho cacilheiro,
Dedicado companheiro,
Pequeno berço do povo,
E, navegando,
A idade vai chegando,
Ai…
O cabelo branqueando,
Mas o Tejo é sempre novo.

Todos moram numa rua
A que chamam sempre sua
Mas eu cá não os invejo,
O meu bairro é sobre as águas
Que cantam as suas mágoas
E a minha rua é o Tejo.

Certa noite de luar
Vinha eu a navegar
E de pé junto da proa
Eu vi ou então sonhei
Que os braços do Cristo-Rei
Estavam a abraçar Lisboa.

Refrão…