sexta-feira, abril 24, 2009

Blogantologia(s) II - (80) O menino da escolinha do Fiofioli

Um dia os historiadores haverão de ganhar dinheiro
à nossa conta,
da nossa e dos pobres guinéus
que andaram, tal como nós,
com a canhota na mão,
no Fiofioli,
em Guileje
ou noutros sítios lá no "cu do mundo,
longe do Vietname".

Eu não estive no Fiofioli,
em Março de 1969,
no decurso da Operação Lança Afiada.
Já estava no Campo Militar de Santa Margarida,
com outros camaradas,
com guia de marcha para a Guiné,
aonde chegaríamos em finais de Maio desse ano
para formar,
em Contuboel,
a futura CAÇ 12,
uma companhia de "nharros", de fulas ...

E também nunca lá fui depois,
ao Fiofioli, no meu tempo.
Nem eu nem ninguém, que eu saiba.
Estivemos só nos arredores,
mas ainda longe,
em operações, com a nossa tropa-macaca.

Se algum de vocês, algum dia,
antes, durante e depois da guerra,
esteve no mítico Fiofioli
(que pena eu não poder pôr isto no meu currículo!),
peço-vos que me mandem o vosso testemunho,
alguma estória,
alguma foto,
alguma pulseira de missangas,
vermelhas,
algum caderno escolar,
mesmo sujo e rasgado,
alguma lágrima de algum menino,
balanta ou beafada,
que nesse dia,
em 15 de Março de 1969,
não pôde ir à sua escolinha,
como de costume,
debaixo do belíssimo poilão da sua tabanca,
porque teve de fugir
e cambar o Rio Corubal,
à pressa,
em pânico,
sob as bombas dos T-6
e dos Fiat G-91,
a metralha do helicanhão,
e os gritos dos seus pais e irmãos:
"tuga, tuga, gosse, gosse"...

quinta-feira, abril 16, 2009

Blogantologia(s) II - (79): Rua da Conceição nº 100, Lisboa, 1976

Lisboa > Terreiro do Paço (antes do terramoto de 1755) > Azulejos (pormenor) > Casa do Alentejo > 17 de Janeiro de 2009.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Rua da Conceição nº 100, 1976

Blogarias.
Papéis velhos,
amarelecidos,
desenterrados do baú.
Literalmente,
do baú do sótão da casa e da memória.
Outros tempos.
Outros estados de alma,
se é que a alma tem estados,
como a matéria
que é sólida, líquida ou gasosa.
Em 1976, o mundo ainda era
a preto e branco.
Não havia televisão a cores.
Nem computadores pessoais.
Era a pré-história de qualquer coisa
que mal se advinhava.
Havia a IBM
e as main frames
e as máquinas da Bull
e o cartão perfurado.
E a guerra fria,
que ironia.
Escrevias numa maquineta
de dactilografar,
levezinha,
daquelas portáteis.
Imperial, inglesa, vitoriana.
AZERT ou HCESAR ?
Não, não tinha certificação de qualidade.
Eras estudante de sociologia.
Um safado,
Um sacana,
Um semi-privilegiado
Do hemisfério norte.
Trabalhador-estudante.
Ex-combatente
Da guerra colonial.
Com sorte.
E com culpa por ter tido sorte.
Trabalhavas na Rua da Conceição,
nº 100.
Na Baixa.
Num velho prédio pombalino.
Ao serviço do fisco.
E do seu projecto de modernização.
E apanhavas o já famoso 28,
o eléctrico amarelo da Carris,
para ires almoçar a casa.
Moravas nas traseiras da Infante Santo,
no bairro da Lapa dos pobres,
dos criados da velha nobreza decadente.
Numa parte de casa de estudantes
e de obscuros professores de economia
que um dia irão vingar-se
do triunfo do mercado.
Travessa do Possolo, meu caro,
Nº 17, 19 ou 21,
já não me lembro.
Tinhas posto um anúncio no Página Um,
uma pasquim esquerdista,
dirás tu quando tiveres 70 anos.
Tentando a sorte de arranjar
uma casa ou parte de casa.
Que quem casa, quer casa.
Que a crise de habitação já não é de agora,
vem de trás,
desde que congelaram as rendas
e prometeram o bacalhau a pataco
à rapaziada da classe operária.
Ainda te recordas
que o anúncio (pessoal) começava assim:
"A um capitalista
que leia o 'Página Um' por engano"…
Arranjaste uma parte de casa.
Estudavas à noite.
Eras casado.
Não tinhas filhos.
Mas houve um senhor ministro,
O Sottomayor,
o Cardia,
paz à sua alma,
que decidira mandado fechar o teu instituto,
o ISCPS.
Em nome da normalização
democrática.
Tinham tirado o U ao velho ISCSPU,
depois da queda do império colonial.
Sanearam as 'múmias', os profes.
Decapitaram o conselho científico.
Importaram latino-americanos para ensinar
a sociologia da mudança, da revolução.
Os assistentes e os estudantes tomaram o poder.
Alguém escreveu nas paredes do Palácio Burnay,
que era o homem mais rico de Portugal
no virar do Século XIX.
Nada que não se tivesse visto antes,
noutros tempos,
noutros lugares.
O poder tem horror ao vazio.
O Sotto Mayor Cardia tinha horror ao vazio.
Foste para o ISEG,
Onde continuaste a martelar
O economês e o sociologuês.
Outros como o pobre do Salgueiro Maia
ficaram por lá,
na Guerra Junqueiro,
para acabar a antropologia.
Para gerir mais presídios transformados em tristes museus.
Imagino que ele fosse bom em etnologuês,
que é o dialecto que nos resta,
à porta de entrada da Europa.
Mas os sociólogos e os economistas foram corridos.
Acabaste, no 3º ano,
por ir parar ao ISCTE,
do senhor engenheiro Sedas Nunes.
Algumas destas blogarias
são dessa época, de 1976/1977.
Outras são até mais antigas.
Tinhas-lhes perdido o rasto.
Já não te reconheces totalmente
no que escrevias nessa época.
Não tens que te reconhecer,
que um homem não é de pau,
nem cara de pau,
nem de pau santo,
nem de cera,
nem de marfim.
Nem é feito de uma só peça,
a canivete,
Mas não rejeitas esses escritos
nem vás branqueá-las,
nem muito menos sorteá-los.


o tempo era de outono
e de 1976
o lugar poderia ser portugal
porta do cavalo da europa

exercícios de estilo,
atenção meus senhores
isto é um assalto,
façam exercícios compensatórios,
mãos ao ar,
cabeça direita,
nada de truques,
impressões de viagem no eléctrico
Estrela rua da Conceição,
fichas de leitura
na diagonal,
escrita automática,
contributo para um novo modo de produzir
e de viver
faits divers
a ideologia que se consome todos os dias
à mesa da boa consciência,
o direito de cagar ao ar livre,
consagrado na constituição,
já,
reclamavam os velhos anraquistas,
notícias necrológicas,
Max Weber, Durhkeim,
a epistemologia,
histórias aos quadradinhos dum maginal-secante,
boletim metereológico
da revolução que o não será,
revolução pr’amanhã.
Prá mamã.
Mas quem pediu uma revolução pr’ amanhã, prá mamã ?
Cartas clandestinas
ou nem por isso,
folha dominical para os dias cinzentos da semana,
informações pidescas ou pós,
relatório do crime,
pequena enciclopédia da via sexual
dos sete aos setenta anos,
o ânus horrível de 76,
a bancarrota,
que o FMI vem aí,
o arroto da banca
nacionalizada, nossa,
diziam os bancários agora banqueiros,
títulos de caixa alta
o tédio em tempo de paz,
a imaginação para a prisão,
recortes de A a Z,
curriculum vitae oprimido e explorado,
cadastrado,
o livrinho cor de rosa dos maus pensamentos,
transgressões íntimas,
o elogio do colchão ortopédico,
misérias e grandezas do(a) capital,
blá blá,
o livrinho vermelho dos maoístas
onde a explicação do mundo
cabe numa metáfora,
peças em 1 acto (sexual),
fogo sobre o revisionismo
e o social-facismo,
parecer sobre o estado calamitoso do reino,
a arte de fugir ao fisco,
os contos do vinho tinto,
a autofagia,
o fantasma do Pessoa
na tabacaria da esquima,
no Martinho da Arcádia,
ali tão perto,
ou a economia política
ao alcance de todas bocas,
proletas de todo o mundo (re)uni-vos.
ou melhor: os destroços das batalhas perdidas
dos últimos dois séculos.
Vous aimez Marx ?
A angústia em papel celofane,
poesia,
amor,
ao domingo,
na Rua da Conceição nº 100,
um pardieiro,
arte,
guerra,
solidão,
solidariedade de classe,
revolução de manhã, sol à tarde,
como a eira de sequeiro
e a horta de ragadio:
misturem bem e bebam frio!
Haraquiri dum petit-bourgeois,
aqui e agora
comem-se castanhas assadas
no jardim da Estrela.

PS - Nesse tempo não havia velhos.

quarta-feira, abril 15, 2009

Blogantologia(s) II - (78): A guerra como forma (heróica) de suicídio... altruista

Moçambique > Mueda > CART 2369 (1968/70) > O 2º sargento miliciano Sérgio Neves junto a um mural onde se lê: "Em Mueda, os cordeiros que entram, são lobos que saiem. Adeus checas". Recorde-se que o checa, em Moçambique, era o nosso pira ou periquito (*)


Foto: ©
Tino Neves / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.



A guerra como forma (heróica) de suicídio altruista

Quem terá sido o 'grafiteiro'
(avant la lettre...)
que escreveu:
"Em Mueda, os cordeiros que chegam, são lobos que saem" ?

É um pensamento que é válido
para todas as situações de guerra.
Os jovens, quase imberbes,
os meninos de sua mãe
(como escreveu o grande Pessoa),
que chegam à frente de batalha,
ainda são cordeiros,
inocentes,
virgens,
imaculados...
O horror e a violência da guerra
irão transformá-los em lobos,
em duros,
em violentos,
em conspurcados...
Não necessariamente predadores,
assassinos,
criminosos...
(que é o estereótipo
que o ser humano ainda guarda
do pobre do lobo mau!)...

Mas há, seguramente, uma perda de inocência:
nenhum de nós foi para a Guiné
e veio de lá impunemente,
igual...
Os nossos amigos e familiares deram conta disso:
já não éramos os mesmos,
nunca mais fomos os mesmos...

Acho que é isto
que o inspirado autor do mural de Mueda quis dizer.
É claro que há também aqui
a dose habitual de bravata e de fanfarronice:
é uma frase para intimidar
os 'checas', os 'piras', os 'maçaricos', os novatos...

Também os militares, profissão de risco,
têm a sua ideologia defensiva,
as suas crenças,
os seus talismãs,
os seus mesinhos
(usavam-nos os guerrilheiros
na Guiné,
em Angola,
em Moçambique,
não obstante a sua 'formação' racionalista,
marxista-leninista,
dita revolucionária)...
A bravata e a fanfarronice,
além das praxes e do álcool,
ajudavam-nos, a todos nós,
a lidar com o medo,
as situações-limite,
a morte,
o sofrimento, físico e moral,
a impotência,
o desespero…

Não há, nunca houve,
super-homens,
super-heróis:
há apenas deuses,
que inventámos, à nossa imagem e semelhança,
e para quem transferimos qualidades e defeitos humanos...
Que inventamos todos os dias…
Precisamos dos mitos,
das lendas,
da efabulação,
do pensamento mágico,
mesmo sob a roupagem (enganadora) da ciência e da tecnologia.

Daniel Roxo deve funcionar,
para os nostálgicos do paraíso perdido do 'apartheid'
(Moçambique, Rodésia, África do Sul...),
como o Che Guevara
que (ainda) funciona como um ícone,
tanto para os jovens sem ideologia de hoje,
como para os ‘cotas’,
os seus pais e tios,
os velhos revolucionários românticos
que queriam, nos anos 60 e 70,
incendiar o mundo,
criando um, dois, três, muitos Vietnames!...

Há homens que são incapazes de deixar de combater...
Mesmo, no limiar da decadência física,
a adrenalina da guerra é mais forte que a razão...
É um pulsão muito forte.
O que terá levado este e outros compatriotas nossos
a alistar-se nas forças especiais do regime racista da África do Sul
e a morrer em Angola por uma pátria que não era a sua ?
Poderei perguntar o mesmo pelos cubanos
que morreram em Angola (mas também na Guiné).
Dir-me-ão que lutavam por um mundo em que acreditavam,
por uma bandeira,
por uma causa que era a sua razão de vida...
Sou céptico:
o ser humano é motivacionalmente muito complexo
e manipulável
e moldável…
Creio que a guerra também poder viciante,
havendo homens que nela entram
e dela nunca mais saem...
A guerra pode ser uma forma (heróica) de suicídio...
altruista.

_________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné:

6 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1928: Estórias de vida (3): Sérgio Neves, meu irmão: em Moçambique, o Mercenário, amigo do lendário Daniel Roxo (Tino Neves)

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1933: Questões politicamente (in)correctas (30): os cordeiros e os lobos de Mueda ou a adrenalina da guerra (Luís Graça)

6 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2032: Estórias de vida (4): Ainda sobre o meu irmão, o Srgt Mil Sérgio Neves, que foi amigo em Moçambique de Daniel Roxo (Tino Neves)

24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2127: Estórias de vida (5): Sérgio Neves, meu irmão, um homem bom (Tino Neves)

sexta-feira, abril 10, 2009

Blogantologia(s) II - (77): Para a Teresa, ao Km 60 da viagem da sua vida...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > A tradicional bola de carne da Páscoa...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Um quadro oferecido pela Joana Graça...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Uma nota aristocrática numa das belas casas brazonadas do centro da cidade de Macedo de Cavaleiros...


Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > O regresso às origens, às velas casas de xisto (em Vale de Prados)...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas (aqui conversando com os seus amigos e convidados)...


Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Uma caixinha (neste caso, cesto) de surpresas...


Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Da esquerda para a direita: a Teresa, a Fernanda Rodrigues, professora universitária, e a Inês, filha da Teresa e do João (já falecido), doutoranda em Barcelona...


Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Um momento musical (que durou até às tantas): da esquerda para a direita, a Alice, o Manul Salselas e a Inês...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > Da esquerda para a direita, Laura, Bonina e Teresa...

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > O David, a Ana Salselas (médica, interna de hematologia no Hospital e São João) e a Teresa..

Macedo de Cavaleiros > Vale de Prados > 10 de Abril de 2009 > Festa dos 60 anos da Teresa Salselas > O Daniel, neto dos agricultores que são vizinhos e amigos da Teresa (que vive no Porto)...


P’ra Teresa, ao quilómetro 60 da viagem da sua vida…

Queremos que saibas
que é, para nós, um privilégio
o teu nome figurar na lista
das nossas amigas… favoritas.

De: Alice, Luís, Joana e Laura



Refrão

Aqui estão estes romeiros,
Prontos para a tua festa,
Que em Macedo de Cavaleiros,
Não há amiga como esta.


Uns mouros, outros morcões,
Com mais jeito ou menos jeito,
Mas pr’as grandes ocasiões,
Todos amigos do peito.

Sessenta anos de doçura,
Em Vale Prados nascida,
És um poço de ternura,
És a nossa Teresa querida.

Mais que amiga, és irmã,
- diz a Alice, mui certeira -,
Oráculo, talismã,
Uma leal conselheira.


Refrão

Aqui estão estes romeiros,
Prontos para a tua festa,
Que em Macedo de Cavaleiros,
Não há amiga como esta.



És da Rua da Alegria,
Que já foi a da Tristeza,
Diz a Laura, nada tia,
P’ra sua vizinha Teresa.

Admiro a profissional,
Exemplo de competência,
No Serviço Social
É p’ra nós uma referência.

Intuitiva e transgressora,
Explorando outros caminhos,
És de ti sempre senhora,
Mesmo quando nos dás miminhos.

Refrão

Aqui estão estes romeiros,
Prontos para a tua festa,
Que em Macedo de Cavaleiros,
Não há amiga como esta.



E o que diz a Joaninha,
Artista, coach, ‘voa-voa’ ?
- É só mimos, Teresinha,
Quando você vai a Lisboa.

Há bruxas, duendes e fadas,
Quando conversas co’ a gente,
Deixas na alma dedadas,
E o teu toque a gente sente.

Faço versos para elas,
E ‘pra eles, por que não ?
Mas pr’a Teresa Salselas,
…Só um poema-coração!

Sessenta é sabedoria,
Marca de serenidade,
Título de poesia,
Prova de felicidade.

Refrão

Aqui estão estes romeiros,
Prontos para a tua festa,
Que em Macedo de Cavaleiros,
Não há amiga como esta.


Macedo de Cavaleiros,
Vale de Prados,
10 de Abril de 2009