segunda-feira, novembro 05, 2007

Blogantologia(s) II - (59): Hoje é dia mundial de qualquer coisa...

Lisboa > Belém > Sinal de proibição...

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


Hoje é dia mundial de qualquer coisa,
mesmo que o mundo não tenha grande coisa
para comemorar…

Hoje, por acaso,
é Dia Mundial dos Museus,
dia 18 de Maio.
De todos os museus,
sem excepção,
incluindo os museus dos horrores,
das figuras de cera,
dos holocaustos,
das espécies extintas,
dos instrumentos de tortura,
da guerra,
da paz,
dos escravos e dos senhores,
do cinema e dos seus imortais
das alterações climáticas,
da electricidade,
da escravatura,
da psiquiatria,
dos insectos sociais,
do campo e da cidade,
das doenças sexualmente transmissíveis,
dos males de amor,
das guerras coloniais,
dos leopardos e das hienas,
de Sade & Masoch,
de Deus & do Diabo.
E até dos museus dos museus
e dos seus directores,
dos seus vícios públicos e privados,
dos seus mecenas,
e das fundações
do bem e do mal
que aparecem em títulos de caixa alta
no jornal…

Adoro museus,
adoro o espectáculo do mundo musealizado,
das cabeças pensantes mumificadas,
e sobretudo nunca perco uma borla
no Dia Mundial dos Museus.

Quantos dias mundiais de qualquer coisa há no ano ?
Não sei, talvez 365 dias,
ou 366 nos anos bissextos.
Ou até mais,
porque há dias que já dobram
ou se desdobram
em efemérides…
Sei que hoje é Dia Mundial dos Museus,
de todos os museus.
Incluindo o Museu da Vergonha,
da Coragem e do Medo,
do Etnocídio,
da Intifada,
do Gulag,
do Vale dos Caídos,
dos degolados,
dos Fuzilados contra a Grande Muralha
da China,
da Florence Nigthingale,
the lady with the lamp,
do Fado e da Guitarra,
e dos Furacões Tropicais
que devastam a má consciência ecológica
da Casa Branca.

Mas hoje também é,
por ironia ou coincidência,
e para insulto à nossa inteligência
o Dia das Raças Indígenas da América,
mumificadas,
escalpelizadas.
pregadas na parede por alfinetes.

Li isso algures
num sítio que tem ressonâncias bíblicas,
escatológicas
e messiânicas,
A última arca de Noé.
Podia ser o último comboio.
O último avião.
O último barco.
O último aviso à circum-navegação.
A última chance.

Fico a saber que há meses do ano
mais ecológicos do que outros…
Por exemplo, o princípio do ano
não é muito amigável para o ambiente,
pelo menos no Brasil
(cujo Estado, dizem, não manda na Amazónia
nem nas favelas,
nem nos bandos armados
que ditam a lei e a ordem…).
E depois há que distinguir entre
dias locais,
regionais,
nacionais,
internacionais
e mundiais…
E será que já há Dias Globais de Qualquer Coisa ?
Não sei, confesso a minha global ignorância…

Em Fevereiro, dois, é o Dia Mundial das Zonas Úmidas
(com ou sem H,
o que para a Floresta é irrelevante)

Em Março, já os dias são mais compridos e generosos:
temos o Dia Nacional do Turismo (2),
o Dia Internacional da Mulher (8),
o Dia Internacional das Florestas (21),
o Dia Mundial da Água (22)…
Mas também o Dia do Meteorologista
ou Manda-chuva,
como dizemos no Velho Continente (23).
Enfim, temos até um Dia do Cacau (26),
não do dinheiro, mas do verdadeiro cacau
que fez alguns milionários e milhões de pobres.
O Dia do Cacau, no Brasil,
celebra-se na véspera
do Dia Mundial da Juventude (27).

Em Abril, tomem por favor boa nota do sete,
na vossa agenda-planning de executivos,
porque é Dia Mundial da Saúde.
E um semana depois
o Dia da Conservação do Solo (15),
bem como do pobre Índio (19)
e do paupérrimo ou depauperado Planeta Terra (22),
finalizando a maratona das comemorações
no Dia da Educação (28),
tão pouco ou nada ambiental…

Não sei explicar se o Índio
é o que está em vias de extinção
ou o Índio, escalpelizado, morto e enterrado,
depois da chegada ao Novo Mundo
do idiota que acreditava ter chegado à Índia
e que hoje tem nome de praças
e estatuária pomposa
por tudo o que são cidades hispânicas.

Fica bem um dia do Dia do Sol
em Maio, três,
que no hemisfério norte era o Maio Florido,
mas é uma ternura terem pensado
no Dia do Engenheiro Cartógrafo (6)
e guardado o 10 para o Dia do Guia Turístico,
o simpático, sorridente e super-herói
guia turístico.
Eu sou fã dos guias turísticos
que nos tratam como crianças crescidas,
idiotas,
em férias,
nos seus exóticos países,
em alegres e despreocupadas excursões,
às vezes escoltadas por gorilas da cidade….

Segue-se a treze do Dia do Zootecnista,
que eu não sei exactamente o que faz,
mas que presumo ter a ver com zootecnia,
com engenharia da reprodução animal,
com manipulação,
com engorda…
E a 29 o Dia do Estatístico
ex-aequo com o Geógrafo
e, por fim , a 30, o Dia do Geólogo.
O 18, já vimos, é o Dia Mundial dos Museus
e lá na Terra de Vera Cruz
o Dia das Raças Indígenas da América...
E eu a pensar que o conceito de raça era racista
e não existia mais,
abolido por ser politicamente incorrecto…
Afinal, há um dia das raças,
caucasianas,
semitas,
asiáticas,
americanas,
africanas…
Por fim, a 31, a fechar o Maio,
o Dia Mundial do Combate ao Fumo,
passivo, assertivo, activo, proactivo…

O Junho é, por excelência,
o mês mais ecológico do calendário.
Senão vejamos:
De 3 a 8 é a Semana Mundial do Meio Ambiente;
a 5, o Dia da Ecologia/ Dia Mundial do Meio Ambiente,
a 8, o Dia Mundial do Oceano (não sei qual deles),
a 17, o Dia Mundial para o combate da Desertização
e da Seca
sem esquecer (por muito que nos custe)
o Dia Nacional do Combate às Drogas (26)…


Em Julho as corporações ainda não foram de férias,
depois de celebrarem
a 11 o Dia Mundial da População
e a 17 a Protecção das Florestas…
A 12 é o Dia do Engenheiro Florestal
e, a 13, Dia do Engenheiro Sanitarista.
Enfim, não convém esquecer
o dia do pobre do agricultor,
a 28.

No mês de Agosto,
está-se a banhos,
no Hemisfério Norte
mas, pelo menos no Brasil,
ninguém se esqueça
do Advogado, a 11,
enquanto o 14 é dedicado ao Combate à Poluição
e o 17 à defesa, presumo, do Património Histórico
Não fica mal, a 21, falar da Habitação
e da sua crise,
e dos flavelados,
e dos flagelados,
ou das vítimas da economia do quarto mundo,
que é a do crime,
seguida a 27 pelo Dia da Limpeza Urbana
a 28 o Dia da Avicultura
e, por fim, a 29 o Dia Nacional do Combate ao Fumo.

O Septembro (ou Setembro, sem pê)
é um mês bem preenchido,
em matéria ambiental.
Escrevam isso na agenda:
Dia do Biólogo (3),
Dia da Amazónia (5),
Dia Mundial da Alfabetização (8),
Dia Internacional da Preservação da Camada de Ozônio (16)
(ou Ozono, para o lusófono de Lisboa)
e a, 21, Dia da Árvore.
(espero que com força, não com forca).
Por fim, temos de 21 a 27
a Semana Nacional da Fauna
com destaque para o Dia de Defesa da Fauna (22),
que vai decorrer paralelamente
ao Dia do Técnico Agropecuário.

Em Outubro não sei como vamos arranjar tempo
para celebrar
o Dia da Natureza que é simultaneamente
o Dia Mundial dos Animais (a 4),
dando início à Semana de Proteçção aos Animais (4-10)
sendo o 5 dedicado ao Dia das Aves,
incluindo as Aves do Paraíso,
vaidosas,
multicolores,
canoras…
A 12, temos o Dia do Agrónomo
mas também o Dia do Mar ,
seguido, a 14, Dia Internacional
para a Redução dos Desastres Naturais…
É uma agenda pesada
que inclui a 16
o Dia Mundial da Alimentação
a par do Dia da Ciência e da Tecnologia,
o Dia Mundial da Erradicação da Pobreza (a 17)
e, já agora, Dia das Nações Unidas – ONU ( a 24).

Chegamos a Novembro,
e damos conta de que o ano passou
depressa e mal
e que ainda falta comemorar
o Dia Nacional da Ciência e da Cultura (5),
o Dia Mundial do Urbanismo (8)
o Dia do Urbanismo (9)
o Dia do Rio (23)
e, por fim, a 30, Dia da Reforma Agrária/ Dia do estatuto da Terra,
ou da terra a quem a trabalha…

Em plena euforia do consumismo natalício,
temos em Dezembro
o Dia Nacional do Pau Brasil, a 7,
o Dia da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
assinada em 1948,
e diariamente atropelada,
acoplado ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, a 10,
mais o Dia do Arquitecto/ Dia do Engenheiro, a 11,
que um e outro estão condenados a entenderem-se…

Passadas e repassadas as festas natalícias,
resta-me o Dia Mundial da Biodiversidade,
a 29.
Em 31 de Dezembro comenta o idiota do poeta:
- E eu a pensar
que havia um dia mundial da poesia
e que a poesia
também se festejava
ou comemorava
ou até se comia
ou muito simplesmente se dizia…


Lisboa, 18 cde Maio de 2007

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