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sábado, outubro 06, 2007

Blogantologia(s) II - (56): Irish people

Lourinhã > O forte de Paimogo, recém-restaurado, visto de longe, da Praia da Areia Branca. Uma silenciosa vigia contra, no passado, os corsários, os invasores e os contrabandistas e, nos dias de hoje, contra os especuladores imobiliários, o cimento armado, o alcatrão, os campos de golfe...

Fotos: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

Irish people


Para os dubliners Richard Wynne e Robert Anderson

Davam grandes passeios
pela praia
os irlandeses
ruivos
de cabelos brancos
e reformas douradas.

Descobrindo o sul
o sal
o sol
o solstício do verão
num país onde o sul
o sal
o sol
o solstício do verão
se vendem a preço de saldo.

A OTA aqui tão perto
diz o outdoor publicitário
e logo mais abaixo o deserto
e ao fundo o azul do Montejunto
e em frente o Novo Mundo
e a norte o manto protector
de Nossa Senhora de Fátima
garante o promotor
imobiliário.

Ah!, Dublin e os meus gentis amigos dubliners
fechando as portas ao vento
em Dezembro
no pub do James Joyce.

Davam grandes passeios
no outono da vida
os irlandeses,
bem casados,
ruivos,
maravilhados,
realizados,
de cabelos brancos,
ao vento.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Blogantologia(s) II - (55): À espera... de esperar

Lourinhã > Casal Charrua >> Anos 20 do Séc. XX > Os camponeses e os seus burros na festa do São João, 24 de Junho, no cruzamento para a Praia da Areia Branca, na estrada Lourinhã-Peniche... (A partir de uma velha fotografia afixada no Café do Manuel Marques, Banheiro... Com a devida vénia, ao dono da fotografia e ao fotógrafo desconhecidos).

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


À espera… de esperar


Que a mulher te seja fiel
E o carro fiável
E que nunca te falte nada,
São os votos eu que te desejo
A ti que andas na autoestrada
Da vida e da morte.
A ti que persegues o norte
A estrela polar
O mar
E que tens pressa de caminhar.
Boa viagem para todos os viajantes,
Qualquer que seja o seu modo de locomoção:
Almocreve
Condutor
Caminheiro
Pássaro errante
Turista
Meretriz
Pastor
Coveiro
Bombeiro
Guru
Asclepíade
Peregrino de Fátima
Terapeuta
Recolector-caçador
Vagabundo
Camionista
Demiurgo
Vendedor de sonhos
Beduíno
Barqueiro de Caronte
Nómada
Ninfa
Big brother
Conquistador
Soldado
EX-guerriheiro
Grafiteiro
Salvador de almas
Poeta
Globetrotter…

Passam milhares de carros
Na autoestrada
A alta velocidade
Ao quilómetro 10 ponto 6
Da A-8
E eu à espera do clique do motor
Da assistência das Estradas do Atlântico
Do rebocador da ACP
Da irracional fé na ciência e tecnologia
Dos teutónicos
Da infectível confiança na democracia
Do autocarro do amor
Da boleia da sorte
Da solidariedade dos meus contemporâneos
Da alvorada do milénio
Da aurora boreal
Do furacão que me arranque as palas dos olhos
E o limpa-parabrisas da cegueira.

À espera de esperar!
Desesperadamente…

domingo, setembro 16, 2007

Blogantologia(s) II - (51): A morte do pássaro de areia




Lourinhã > Praia de Vale de Frades > 8 de Junho de 2007 > É um pássaro, diz ela. De areia. Ferido de morte.

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

Para o Idálio Reis e os bravos da CCAÇ 2317 (Gandembel/Ponte Balana, 1968/69), com um Alfa Bravo (abraço) (1)

É um pássaro.
De areia.
Diz ela.
Ferido de morte.
Uma jurássica ave de arribação
que te veio anunciar a peste.

Peste branca. Preta. Vermelha.
Vírus do Nilo.
Dengue.
Al Qaeda.
O tchador.
A burkha.
A mulher dengosa.
A expulsão do paraíso.
A língua veperina.
O caduceu do Asclépio.
Febre hemorrágica.
Sida.
Terror nuclear.
Pandemia. Amarela.
Bílis negra.
Os neutrões.
A língua azul dos camelos.
O vírus influenza
dos gansos selvagens.
A gripe das gaivotas-ratazanas.
A implosão dos neurónios.
O buraco do ozono.
A febre da carraça.
Malária, paludismo, sezonismo.
A doença de Creutzfeldt-Jakob
O mal de viver.
Os vectores das doenças emergentes.
As metástases pancreátricas.
O pão transgénico.
As setas pragas do Egipto.

A estátua jazente de um deus alado
que morreu nas dunas.
Diz ele.
Por fadiga. Burn-out. Desidratação.
O irã que largou o poilão
e morreu de infinita tristeza.
Vidrado.
Varado por um tiro de Kalash.
Ou um náufrago da costa de ouro, marfim e prata.
A escassos metros da meta.
À entrada do paraíso.
Da reserva ecológica.
Dos abrigos à prova de canhão sem recuo
da Europa imaginada.
Blindada.

Terá atravessado os campos de golfe magnéticos
que eram verdes.
Diz ela.
Na rota das Canárias e do Saará,
segue sempre em frente
e encontrarás o paraíso.
Já.
Ou encontravas.
Diz ele.
Aqui jaz.
Agora.
Na areia da praia.
O soldado.
Desconhecido.
Número tal.
Que terá vindo de Gandembel,
sobrevoando Ponte Balana.
Sem senha
nem contra-senha
nem ração de combate.
Nem requisição de transporte.
Nem visto
ou simples carta de chamada
da Pátria.
Nem sequer muda de roupa
para o além.
Simplesmente morto por uma roquetada.

O puro terror dos fornilhos,
diz ele.
A cilada.
A emboscada.
As pirogas à deriva.
A guerra elevada à categoria de arte
do predador.
Generalíssimo.
As tripas de fora
de um deus-menino.
O pássaro.
De fogo.
Desintegrado.

Oh! Gandembel das morteiradas,
dos abrigos de madeira
onde nós, pobres soldados,
imitamos a toupeira.

-diz ele.
In memoriam.
A morte, sem legenda,
a asfixia, sem escape,
a exaustão, sem honra,
os nervos de aço esfrangalhados
do soldado-toupeira,
o envenenamento das fontes de água
que corria doce e triste,
o triste rio Balana,
triste como todos os rios da Guiné,
o céu trespassado por setas envenenadas,
o napalm,
o RPG-Sete.

O pássaro de areia, diz ela.
- Quem vem lá ?
Cala-se o dari (2) no Cantanhez.
E as gazelas na orla das bolanhas da zona leste.
Para se poder ouvir o tiro tenso do voo
da ave mortal da madrugada.

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

(2) Chimpanzé

Blogantologia(s) II - (50): O desejo é um pudim instantâneo

Lourinhã >Praias > Vale de Frades > 15 de Setmbro de 2007 > Baixa-mar

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.


O desejo é um pudim instantâneo

Quando eu era puto
Sempre me ensinaram
O terrível poder do Desejo,
Com D grande:
- Diz três desejos e cala-te! -
Intimava o Brutamontes.
- Quero ser rei,
Ter um exército invencível
E destruir todos os meus inimigos!

Confessava eu, baixinho,
Aterrorizado,
No recreio da escola.

Cresci e perdi definitivamente a ilusão
De que poderia ser Deus.
Omnipotente.
Omnisciente.
Omnipresente.
Nem sequer rei ou até general.
Em contrapartida, aprendi a conhecer (mal)
Os quatro cavaleiros do Apocalipse humano:
A estupidez,
A arrogância,
A ganância,
A intolerância.

Quanto ao desejo,
com d pequeno,
Pu-lo no congelador,
Em caixinhas da tupperware:
Saúde, paz, dinheiro,
Amizade, amor,
Felicidade…
Em doses generosas, fraternais.
Tudo pronto para ser exportado
Por terra, por mar ou by air.
Tudo pronto a ser usado
Num próximo ensejo.

Mas o desejo
Tem um prazo de validade.
Deve agitar-se,
Primeiro,
Antes de usar-se.
Nunca deve ser congelado
Nem revalidado.

Hoje o desejo é um pudim instantâneo
Que se compra no hipermercado
E está sujeito a IVA
E a controlo da qualidade.
Vem em dose individual
E o seu modo de admimnistração é cutâneo.

Confesso que sou um produtor artesanal
De desejos.
Que não estou acreditado.
Que a minha produção é para autoconsumo.
E que às vezes tenho maus desejos
E maus pensamentos.
Como quando era puto
E queria ser rei
E ter um exército invencível
E matar o Brutamontes.


Praia da Areia Branca,
15 de Setembro de 2007.
No fim do verão.
Esplanada do Café do Manel Banheiro.
A meu lado, há uma reunião pantagruélica
Dos sócios honorários
Da Confraria... da Feijoada de Búzio.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Blogantologia(s) II - (15): O amor em Agosto

Publicado originalmene no Blogue-fora-nada, post de 18 de Agosto de 2005 > Blogantologia(s) - XXIX: Viagens nas minhas praias imaginárias . Revisto nesta data.

O amor em Agosto

Praia de Paimogo.
Estas pedras estão aqui
Há milhões de anos.
E eu não sei dizer-te
Por que é que estas pedras
Estão aqui
Há milhões de anos.















Uma enseada, uma cratera, um lago.
A Praia de Paimogo foi talhada
A ferro e fogo.

Mas se eu fosse deus,
Todo poderoso senhor
Ou até vulcão,
Tê-la-ia desenhado,
Com muita ternura,
Sob a forma de coração.
Só para ti, meu amor.

Estas pedras estão aqui
Muito antes dos dinossauros
Evoluírem e dominarem
O planeta azul.
Que afinal não era assim tão azul
Quanto o pintavam.

Visto da janela do teu quarto,
Em Candoz,
O vale era o mundo
E era verde,
Tal como em A Cidade e as Serras,
Do Eça de Queiroz.
Muito antes do mar,
E do pôr do sol sobre o mar,
Muito antes de saberes
Onde ficava a praia da minha infância.















Nem vale.
Nem pombas.
Nem praia.
Na Praia do Vale de Pombas,
À maré cheia, à praia-mar,
Há apenas um fio de água doce
Que mantém os cordões umbilicais
Do infinitamente pequeno da vida
Ligados ao infinitamente grande
Dos corpos celestiais.

Vale de Pombas:
Aqui caiu uma chuva de meteoritos.
Um dia hei-de lá levar-te.

Praia de Vale de Frades.
Mas que sei eu de cronogeologia
Para te dizer que estas pedras estão aqui
Há tantos milhões de anos ?!
Sei apenas que, de acordo
Com toda a teoria das probabilidades,
Estas pedras vão ficar aqui,
Muito depois da minha morte,
Muito depois da extinção da minha espécie.














Praia da Peralta.
O melhor do mês de Agosto
É enterrar a cabeça na areia
E escutar.
O mar.
A voz rouca do mar.
Que chegou até aqui,
Muito antes de mim e de ti,
E que vai ficar aqui
Muito depois de mim e de ti.

Não há farol
Na Peralta,
Para eu poder avisar a malta.
Enquanto o teu país arde
Ou o que resta dele.
Na Peralta passam navios ao largo.
Como manadas de elefantes.



















Porto Dinheiro
Um espesso nevoeiro
Cobre as falésias
Em Agosto.
Até aqui chegavam
As galés romanas.
E os barcos dos piratas.
Não sei se o sítio tem padroeiro
Ou orago.
Nem sei se por aqui passava
O teu caminho de Santiago.

Praia de Vale de Frades.
À volta de um prato de sardinhas,
A vida pode não ter
Metafísica nenhuma
E mesmo assim ser
Pura,
Emoção pura,
E simples,
Prazer simples.

Mandei pôr mais um prato
Na mesa, sem toalha,
Virada para o Mar do Serro.
Não me esqueci do pão,
Das sardinhas, das batatas,
Dos pimentos, da salada e do vinho...
Esperava por ti,
Que eras a oficiante da vida.

















Na Peralta,
Na malhada grande,
Eu poderia ter sido feliz
Entre apanhadores de lapas e de ouriços.

Mesmo sabendo
Que estas pedras estão aqui
Muito antes de mim,
Há milhões de anos.
Mesmo não tendo
Todas as respostas
A todos os porquês.


No Porto das Barcas
Não há ciência,
Apenas sapiência,
Que é a mais antiga das virtudes.

Porto das Barcas:
Um navio fantasmagórico
Entra pela terra adentro.

Praia do Caniçal:
Podia trepar
Pela minha árvore genealógica
Até ao paleolítico superior.
Pelo leito dos rios
Que sobem, secos,
Até às grandes fossas marinhas.

Porto das Barcas.
Daqui avistamos as Berlengas.
E a Nau Catrineta
Que já nada tem para nos contar.

Porto Dinheiro.
Aqui deito contas à vida.
Aqui conto as marcas
Do tempo.
Aqui lanço a âncora.
Aqui fui carpinteiro de naus.
Aqui, Plínio, o Velho,
Poderia ter fundado a paleontologia.
Mas, não:
Morreu em 69 a observar
A erupção do Vesúvio.


Praia do Valmitão
Podia ter sido ilha de corsário
Ou baía de tubarão.
A ter bandeira,
Só a preta,
Com caveira.

Praia da Areia Branca:
Não te conseguiram amar
Sem te possuir e violar.
Livro Sexto, de Sophia.










Praia do Areal:
Há uma seta
Que indica o sul.
O sol.
A zona dos chapéus.
O espaço rigorosamente vigiado
Dos amantes.
O risco de cancro da pele.
A rota da seda.
A sede.
Os amores de verão.
A morte.
Saio noutra estação.

Volto à Peralta
Para partilhar contigo
A magia do sol posto
No Atlântico norte.
O amor em Agosto.















Fotos: Praias do concelho da Lourinhã

© Luís Graça (2004-2005). Direitos reservados.