Um dia as pombas da paz do Picasso
Repousarão nos museus da guerra.
E até as moscas,
Regressadas dos campos de batalha,
Ficarão espetadas em alfinetes
Nos mostruários.
As moscas.
Exangues.
E a merda das moscas.
Elevadas à categoria
De artefactos culturais.
Ouvi um coronel, veterano da guerra fria, dizer:
- Mais vale uma mosca na sopa quente
Do que um míssil na cozinha.Respondi-lhe, com uma frase de um general
(Que é mais ovoestrelado do que um coronel):
- A guerra não é mais do que
A continuação da política de Estado
Por outros meios.
Nunca cheguei a perceber
Por que é que a verdadeira felicidade
Estava nos detalhes.
Faltava-me o todo
Dos detalhes.
Que é sempre maior do que a soma
Dos detalhes.
Em Bambadinca.
Onde milhões de insectos caíam na sopa.
Fria.
Posso não perceber de epistemologia,
Mas a única filosofia de vida
Que eu ouvi,
Foi na tropa,
E era fascista
(Um epíteto que eu agora
Raramente oiço
Nem uso, por pudor).
Começava em merda e rimava com morte.
Era cínica e dissolvente,
Como qualquer vulgar detergente
De cozinha:
- A merda é o adubo... da vida;
É fazendo merda, que tu aprendes;
E sobretudo nunca te esqueças
Que é com a merda dos grandes,
Que os pequenos se afogam.
Na tropa nunca soube
Onde ficava o norte.
Nem onde pôr a mão esquerda.
Prometeram-me depois um mundo melhor:
Não me disseram quando
Nem a que preço.
Descobri que era tarde
E caríssimo.
- Ter a consciência limpa, meu ?!
- É ter a memória com as baterias em baixo.
- Por favor avisem-me,
Quando elas estiverem a cinco por cento.
Procuro uma mão
Disposta a ajudar
O meu braço.
Esquerdo.
Decepado.
Pago com o American Express Card.
Golden, claro!
Pequenos anúncios do meu jornal diário.
Morrer é quando chegas um beco sem saída
E não tens um kit de salvação.
Morrer em Nhabijões,
Na Ponta do Inglês,
Em Guileje
Ou em Banjara,
Tanto faz.
Quando se é tuga ou português.
A vida com a morte se paga.
Há sempre moscas à espera
Do teu cadáver.
E jagudis.
E formigas bagabaga.
- A prática, dizem-te, leva à perfeição,
Excepto no jogo da roleta russa.
- Por isso tu vivias cada dia, meu,
Como se fosse
O único que te restasse
O primeiro, o original, o irrepetível.
Não sei se gostarias de ter conhecido
Adão e Eva
No Paraíso.
Mas só agora reparo,
Há qualquer coisa de errado neste filme.
quinta-feira, setembro 22, 2005
Blogantologia(s) II - (1): O paraíso terrestre
Etiquetas:
guerra,
guerra colonial,
Guiné,
paraíso,
poesia
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário