segunda-feira, março 19, 2012

Blogantologia(s) II - (98): Meu pai, meu velho, meu camarada

Para todos os pais,
Os nossos pais,
Que vivem com a dignidade possível
na solidão instuticionalizada dos terminais da morte


Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada…
Sinto que estás achegar ao fim,
Sinto que estás a desistir,
Sinto que estás com poucas ganas de lutar
Contra o inexorável fim…

É com um aperto no coração
Que te vejo aí deitado no teu cadeirão articulado,
Do Lar da Senhora da Guia, 
Na Atalaia da Lourinhã,
Com as velhas canadianas definitivamente arrumadas a um canto…
Onde está o teu proverbial sentido de humor,
Quando brincavas com as tuas canadianas,
Dizendo que tinhas trocada uma velha por duas novas ?!…
Onde está o teu gosto pela anedota,
O verso, o improviso, o dito sempre apropriado
Para cada conversa, para cada ocasião ?

Meu pai, meu velho, meu camarada…
Sinto que está agora mais difícil, para ti,
Prosseguir a viagem…
Já não queria que fosses até ao km 100,
Da autoestrada da vida,
Queria que chegasses ao menos até ao km 92,
Devagarinho, sem dores,
No dia 18 do próximo mês de Agosto…

Se calhar estou a ser egoísta,
E a subestimar ou menosprezar os teus avisos:
“Isto tá bera, Lis Manel”
(É assim que me tratas, sempre me trataste, 
por Lis Manel).
Claro que eu vou brincando contigo,
Desafiando-te para ires ver o mar,
Não o mar azul do Mindelo,
o mar do Porto Grande e o ilhéu dos Pássaros,
Mas o das Berlengas,
Limpar a vista, tu dizes,
E tomares o café com o cheirinho,
No bar dos Cinco Paus,
Mostrando-te a amarelinha em balão:
“Tome (nunca te tratei por tu)
que no céu não há disto!”

O que te prende à vida, meu velho ?
A tua velha companheira, muda e queda,
Ainda a teu lado ?
Os teus filhos, netos e bisnetos,
Que já são tantos que dão Para fazer duas equipas de futebol ?
Já não queres ver os teus amigos
Do banco do jardim,
Do Largo da Igreja,
Já não te interessas pelos resultados do teu Benfica,
Já deixaste de escrever o teu diário,
Já não lês a Bola,
Já não ouves o relato da bola,
Já não vais à bola ao domingo, com o Mário,
Nem gritas aos jogadores do Lourinhanense:
“Quem ganha é quem corre,
Quem ganha é quem corre!”
Já não corres, meu pai,
Já correste tudo o que tinhas a correr
Pela vida fora, na labuta da vida…
Mas ainda continuas a ganhar, meu velho,
A marcar pontos, meu camarada…
Os do exemplo de bondade,
Humanidade,
Coragem,
E sabedoria…

Um bom dia do pai,
No dia do pai,
Para ti
Meu pai,
Meu velho,
Meu camarada!

Alfragide, 19 de Março de 2012