sábado, outubro 09, 2010

Blogantologia(s) II - (87): A velha Amura dos tugas



A velha Amura dos tugas (*)
agora cercada de guinéus
por todos os lados.
Ilha de areias movediças
num mar de belugas,
foi rampa de lançamento de lançados.
Dizem que aqui nasceu Bissau.
De linhas tortas,
as ruas direitas da capital.

Saúdo os ilhéus,
figuras de museu de cera,
de faces mortiças:
à frente, o capitão-diabo,
o bigode farfalhudo,
espadeirando a torto e a eito,
de peito feito
ao fogo do canhangulo.
Mais os seus soldadinhos de chumbo,
que eram uma ternura:
em linha,
em formatura,
nas suas fardas multicolores,
coloniais,
do tempo dos Cabrais.
Davam vivas à Pátria
e à Rainha.
Aqui como em toda a parte,
onde o Império tinha engenho e arte.

Ah! A velha Amura,
inútil baluarte,
com os seus canhões
de bronze,
incandescente...
Casamata,
prisão,
dormitório,
agora panteão,
nacional,
coberto de poilões.

Eram onze
os soldadinhos,
como no jogo de matraquilhos.
E combatentes da liberdade da Pátria,
contei-os pelos dedos da mão.

Que fazes aqui, Amílcar,
que já te mataram, Cabral ?
E de que traições podias falar,
se fosses vivo,
tu, Osvaldo ? 

E tu, Vieira ?

E quanto a ti, Titina,
que incendiavas paixões
pelo Oio ?
Que fazes também aqui,
jazida entre os poilões,
debruados de branco,
da triste Amura ?
Cuidado, Silá,
que os tugas montaram-te cilada
na cambança do Rio Farim.

Vejo mais à frente o Domingos,
o valente Ramos,
herói de banda desenhada,
que irá morrer de morte matada,
em Madina do Boé.

E tu, Rui Demba Djassi,
de quem eu não sei nada,
a não ser que morreste em 1964,
depois do mítico Congresso de Cassacá ?
Sei ainda que tens nome de rua,
suja e esburacada,
na capital da tua terra...

E o camponês balanta,
Pansau Na Isna,
herói do Como,
guerrilheiro-cowboy,
enfrentando as naves loucas dos tugas
com a sua Kalash de contrafacção ?

Na Amura fez-se história,
diz-me o guia.
Ou a história dos vencedores
que contam a história
de como venceram, afinal,
os vencidos.



PS - Há quem te espere, 'Nino',
no Panteão Nacional.

Luís Graça
Bissau, 7 de Março de 2008



Revisto em 8/10/2010


(») Originalmente publicada no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, II Série > 25 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3669: Blogpoesia (27): A velha Amura dos tugas (Luís Graça)

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